Esqueça o submarino
amarelo do Beatles. O submarino em questão na Inglaterra hoje é outro. Não tem nada de lúdico ou
divertido.
Transformar
submarinos nucleares da terceira idade em sucata ou construir modelos mais
modernos? Esta é uma pergunta caríssima. De acordo com o governo, ela vale
entre 17 a 23 bilhões de libras (coisa de 78 a 100 bilhões de reais). Para os
pacifistas, o custo é de 100 bilhões de libras (cerca de 450 bilhões de reais)
em 40 anos.
Dois mais dois
vão ser sempre quatro. Mas a diferença na matemática das armas nucleares mostra
que cada um dos lados exibe os dados que lhes convêm. Na conta do governo, o
custo estimado para construir e reformar os submarinos. E só. Detalhe, o departamento
de defesa tem a fama de subestimar os custos e acabar gastando mais do que o
prometido.
Já para o ‘ Campaign for Nuclear Disarmament’
– CND (uma ONG para o desarmamento nuclear), os números do governo não fecham.
Para chegar aos 100 bilhões de libras em quatro décadas, eles consideraram uma
determinação do Ministério da Defesa de destinar entre 5 a 6% de seu orçamento com
o programa nuclear, o que dá cerca de 2.4 bilhões de libras por ano (vezes 40
anos). Olharam para os custos em separado. Levaram em conta 57 bilhões de
libras em custos, mais 13 bilhões para se livrarem dos submarinos ultrapassados,
somados aos 23 bilhões para construir novos submarinos e, finalmente a cereja
do bolo: um bilhão para as forças militares garantirem a segurança do arsenal
nuclear. Noves fora aqui, noves fora ali, essa conta também soa estranha. O
fato é que, mais do que o custo para o bolso do contribuinte britânico, essa
discussão importa porque pode ter implicações profundas para esta ilha.
Na quinta-feira, dia
7 de maio, os britânicos participarão de uma eleição geral. O voto no
Reino Unido é distrital. O país é dividido em 650 distritos eleitorais. O
eleitor vota no parlamentar da sua região. Cada região tem apenas um
representante no Parlamento. O que torna mais fácil acompanhar como seu
parlamentar vota. O eleitor não escolhe o primeiro-ministro. Na
prática, o primeiro-ministro é o líder do partido com maioria no parlamento.
Como nada na vida é tão simples assim, o sistema eleitoral daqui tem um
lado bom e outro ruim. O bom é que fortalece os partidos políticos e suas
ideias. Mas às vezes põe o eleitor numa sinuca de bico. Vou dar um exemplo. Na
região onde vivo, o nosso atual parlamentar é de um partido, que não tem a
menor chance de fazer o próximo primeiro-ministro. Tenho conversado com algumas
pessoas que reconhecem que ele faz um bom trabalho, é dedicado e acessível. No
entanto, esses mesmos eleitores dizem que não vão votar nele desta vez, porque
acabariam favorecendo outro partido, que não querem ver no poder. Ou seja, o
dilema é: voto para o meu político local e esqueço a eleição para o cargo
principal, ou escolho um candidato que não me representa localmente?
Submarino Nuclear |
Mas voltando aos submarinos nucleares. Este é um tema quente nestas
eleições. Os britânicos possuem quatro navios nucleares, parte do chamado programa
Tridente, que patrulha as águas britânicas.
Eles têm uma vida útil (modo de dizer) de vinte e cinco anos. O prazo de
validade termina em 2020, quando poderão virar sucata e dar lugar a modelos
mais jovens, ou serão recauchutados. Os dois principais partidos políticos,
conservador e trabalhista são a favor de renovar a frota, sem restrições. O
UKIP, o partido independente, quer salvar três dos quarto submarinos . Já os liberais democratas e o SNP, o partido nacionalista escocês, fecham
com os ativistas e querem se livrar dos quatro.
Os argumentos são fortes de todos os lados. Para os pacifistas, com 100
bilhões de libras este país poderia produzir muita coisa boa: empregos para 150
mil enfermeiros, construção de um milhão e meio de moradias e cobriria os
custos de quatro milhões de estudantes universitários. Num tempo em que todos
os partidos e candidatos falam em austeridade econômica e cortes, estes números
soam como música. Mas talvez o ‘X’ da questão não esteja necessariamente no
bolso.
Continuar investindo em armamentos nucleares traz problemas morais e
éticos. Ao manter o programa Tridente, este país estaria contribuindo para a
escalada militar do planeta? Será que já não estaria na hora de se livrar de
uma política de defesa que nasceu na guerra-fria? Que diferença os navios nucleares
fazem para a defesa britânica? São muitas questões, que o eleitor deveria
considerar. Afinal, caberá ao próximo primeiro-ministro e ao parlamento decidirem
sobre o futuro das armas nucleares desta ilha.
Num documento assinado por vinte ex-membros da defesa britânica (leia-se
militares aposentados) eles alertam que se livrar dos submarinos seria deixar o
Reino Unido enfraquecido e vulnerável a ataques. Mais ou menos como no jogo de
Super Trunfo. O jogador com a carta ‘super trunfo’ está com tudo. Esta carta
vence todas as outras. Da mesma maneira, a ideia é ter os submarinos nucleares
e usá-los para frear ataques ao país. Não mexa comigo, porque eu tenho a carta
mais poderosa e a usarei, se você pisar no meu calo. É a velho argumento de que
as armas nucleares são instrumentos de paz. Durma com um barulho desses.
Na história recente, mais precisamente em 1994, foi assinado na Hungria
o Memorando de Budapeste. O acordo que faz parte do tratado de não proliferação
de armas nucleares entre Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, França e China.
Pelo acordo, a Ucrânia concordou em abrir mão do terceiro maior arsenal de
armas nucleares do mundo (herança da Ex-União Soviética). Em troca, recebeu
garantias dos países, que assinaram o documento, de que sua integridade política,
geográfica e sua independência estariam garantidas.
Duas décadas mais tarde, no ano
passado, a Rússia anexou a Criméia, parte do território ucraniano. Vladimir
Putin fez picadinho do documento e agora se faz de bobo. Diz que uma coisa não
tem nada a ver com a outra, porque a separação da Criméia aconteceu por causa
de problemas internos na Ucrânia. A tensão na região continua alta.
Os que defendem a continuação do programa Tridente usam a anexação russa
da Criméia para reforçar seus argumentos. Outro ponto é que os novos submarinos
vão gerar mais de dez mil empregos neste país, se bem que em 2012, um dos
ministros disse que sairia bem mais barato transferir a produção para as
Bahamas.
Uma das grandes surpresas da atual corrida eleitoral é uma mulher. Nicola Sturgeon
é a líder do partido nacionalista escocês e ‘primeira-ministra’ da Escócia. Ela
tem dado um show nos debates políticos e, principalmente, tirado o sono dos
trabalhistas, que antes eram maioria na terra do whisky. Para ela, renovar o
programa Tridente, com os submarinos nucleares patrulhando a costa vinte e
quatro horas por dia, é um absurdo. Ela diz que o projeto todo é inútil e
indefensável. ‘Nenhum político com credibilidade pode dizer que irá usar um
armamento nuclear, que matará muitos civis, de forma indiscriminada e massiva e
criar uma catástrofe ambiental.’
Poucos dias antes da eleição, o jogo político se intensifica. O partido
trabalhista de Ed Miliband apresenta uma ligeira vantagem nas pesquisas de
intenção de votos. Entretanto, ao que tudo indica, nenhum partido vencerá com
maioria, o que, mais uma vez, levará a uma coalizão de partidos para formar o
governo. Politicamente os escoceses estão bem próximos dos trabalhistas. Nicola
Sturgeon tem acenado com uma aliança com Ed Miliband. Ele tem esnobado a oferta. Ela quer um novo referendo para votar a independência da Escócia, o que não
interessa aos trabalhistas. Outro ponto de discórdia é o programa Tridente. Se
bem que essa semana, Nicola Sturgeon disse que isso não é motivo para o partido
dela não votar com os trabalhistas em outras questões. Como se vê, nada é preto no branco. Se ao menos vivêssemos num submarino amarelo, onde todos são amigos...
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