sábado, 2 de maio de 2015

Submarino Nuclear


 

Esqueça o submarino amarelo do Beatles. O submarino em questão na Inglaterra hoje  é outro. Não tem nada de lúdico ou divertido.

 

Transformar submarinos nucleares da terceira idade em sucata ou construir modelos mais modernos? Esta é uma pergunta caríssima. De acordo com o governo, ela vale entre 17 a 23 bilhões de libras (coisa de 78 a 100 bilhões de reais). Para os pacifistas, o custo é de 100 bilhões de libras (cerca de 450 bilhões de reais) em 40 anos.

 

Dois mais dois vão ser sempre quatro. Mas a diferença na matemática das armas nucleares mostra que cada um dos lados exibe os dados que lhes convêm. Na conta do governo, o custo estimado para construir e reformar os submarinos. E só. Detalhe, o departamento de defesa tem a fama de subestimar os custos e acabar gastando mais do que o prometido.

 

  Já para o ‘ Campaign for Nuclear Disarmament’ – CND (uma ONG para o desarmamento nuclear), os números do governo não fecham. Para chegar aos 100 bilhões de libras em quatro décadas, eles consideraram uma determinação do Ministério da Defesa de destinar entre 5 a 6% de seu orçamento com o programa nuclear, o que dá cerca de 2.4 bilhões de libras por ano (vezes 40 anos). Olharam para os custos em separado. Levaram em conta 57 bilhões de libras em custos, mais 13 bilhões para se livrarem dos submarinos ultrapassados, somados aos 23 bilhões para construir novos submarinos e, finalmente a cereja do bolo: um bilhão para as forças militares garantirem a segurança do arsenal nuclear. Noves fora aqui, noves fora ali, essa conta também soa estranha. O fato é que, mais do que o custo para o bolso do contribuinte britânico, essa discussão importa porque pode ter implicações profundas para esta ilha.

 

Na quinta-feira, dia 7 de maio, os britânicos participarão de uma eleição geral. O voto no Reino Unido é distrital. O país é dividido em 650 distritos eleitorais. O eleitor vota no parlamentar da sua região. Cada região tem apenas um representante no Parlamento. O que torna mais fácil acompanhar como  seu parlamentar vota. O eleitor não escolhe o primeiro-ministro. Na prática, o primeiro-ministro é o líder do partido com maioria no parlamento.

 

Como nada na vida é tão simples assim, o sistema eleitoral daqui tem um lado bom e outro ruim. O bom é que fortalece os partidos políticos e suas ideias. Mas às vezes põe o eleitor numa sinuca de bico. Vou dar um exemplo. Na região onde vivo, o nosso atual parlamentar é de um partido, que não tem a menor chance de fazer o próximo primeiro-ministro. Tenho conversado com algumas pessoas que reconhecem que ele faz um bom trabalho, é dedicado e acessível. No entanto, esses mesmos eleitores dizem que não vão votar nele desta vez, porque acabariam favorecendo outro partido, que não querem ver no poder. Ou seja, o dilema é: voto para o meu político local e esqueço a eleição para o cargo principal, ou escolho um candidato que não me representa localmente? 
 
 


Submarino Nuclear
 

 

Mas voltando aos submarinos nucleares. Este é um tema quente nestas eleições. Os britânicos possuem quatro navios nucleares, parte do chamado programa Tridente, que patrulha as águas britânicas.  Eles têm uma vida útil (modo de dizer) de vinte e cinco anos. O prazo de validade termina em 2020, quando poderão virar sucata e dar lugar a modelos mais jovens, ou serão recauchutados. Os dois principais partidos políticos, conservador e trabalhista são a favor de renovar a frota, sem restrições. O UKIP, o partido independente, quer salvar três dos quarto submarinos . Já os liberais democratas e o SNP, o partido nacionalista escocês, fecham com os ativistas e querem se livrar dos quatro.

 

Os argumentos são fortes de todos os lados. Para os pacifistas, com 100 bilhões de libras este país poderia produzir muita coisa boa: empregos para 150 mil enfermeiros, construção de um milhão e meio de moradias e cobriria os custos de quatro milhões de estudantes universitários. Num tempo em que todos os partidos e candidatos falam em austeridade econômica e cortes, estes números soam como música. Mas talvez o ‘X’ da questão não esteja necessariamente no bolso.

 

Continuar investindo em armamentos nucleares traz problemas morais e éticos. Ao manter o programa Tridente, este país estaria contribuindo para a escalada militar do planeta? Será que já não estaria na hora de se livrar de uma política de defesa que nasceu na guerra-fria? Que diferença os navios nucleares fazem para a defesa britânica? São muitas questões, que o eleitor deveria considerar. Afinal, caberá ao próximo primeiro-ministro e ao parlamento decidirem sobre o futuro das armas nucleares desta ilha.

 

Num documento assinado por vinte ex-membros da defesa britânica (leia-se militares aposentados) eles alertam que se livrar dos submarinos seria deixar o Reino Unido enfraquecido e vulnerável a ataques. Mais ou menos como no jogo de Super Trunfo. O jogador com a carta ‘super trunfo’ está com tudo. Esta carta vence todas as outras. Da mesma maneira, a ideia é ter os submarinos nucleares e usá-los para frear ataques ao país. Não mexa comigo, porque eu tenho a carta mais poderosa e a usarei, se você pisar no meu calo. É a velho argumento de que as armas nucleares são instrumentos de paz. Durma com um barulho desses.

 

Na história recente, mais precisamente em 1994, foi assinado na Hungria o Memorando de Budapeste. O acordo que faz parte do tratado de não proliferação de armas nucleares entre Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, França e China. Pelo acordo, a Ucrânia concordou em abrir mão do terceiro maior arsenal de armas nucleares do mundo (herança da Ex-União Soviética). Em troca, recebeu garantias dos países, que assinaram o documento, de que sua integridade política, geográfica e sua independência estariam garantidas.

 

 Duas décadas mais tarde, no ano passado, a Rússia anexou a Criméia, parte do território ucraniano. Vladimir Putin fez picadinho do documento e agora se faz de bobo. Diz que uma coisa não tem nada a ver com a outra, porque a separação da Criméia aconteceu por causa de problemas internos na Ucrânia. A tensão na região continua alta.

 

Os que defendem a continuação do programa Tridente usam a anexação russa da Criméia para reforçar seus argumentos. Outro ponto é que os novos submarinos vão gerar mais de dez mil empregos neste país, se bem que em 2012, um dos ministros disse que sairia bem mais barato transferir a produção para as Bahamas.

 

Uma das grandes surpresas da atual corrida eleitoral é uma mulher. Nicola Sturgeon é a líder do partido nacionalista escocês e ‘primeira-ministra’ da Escócia. Ela tem dado um show nos debates políticos e, principalmente, tirado o sono dos trabalhistas, que antes eram maioria na terra do whisky. Para ela, renovar o programa Tridente, com os submarinos nucleares patrulhando a costa vinte e quatro horas por dia, é um absurdo. Ela diz que o projeto todo é inútil e indefensável. ‘Nenhum político com credibilidade pode dizer que irá usar um armamento nuclear, que matará muitos civis, de forma indiscriminada e massiva e criar uma catástrofe ambiental.’

 

Poucos dias antes da eleição, o jogo político se intensifica. O partido trabalhista de Ed Miliband apresenta uma ligeira vantagem nas pesquisas de intenção de votos. Entretanto, ao que tudo indica, nenhum partido vencerá com maioria, o que, mais uma vez, levará a uma coalizão de partidos para formar o governo. Politicamente os escoceses estão bem próximos dos trabalhistas. Nicola Sturgeon tem acenado com uma aliança com Ed Miliband. Ele tem esnobado a oferta. Ela quer um novo referendo para votar a independência da Escócia, o que não interessa aos trabalhistas. Outro ponto de discórdia é o programa Tridente. Se bem que essa semana, Nicola Sturgeon disse que isso não é motivo para o partido dela não votar com os trabalhistas em outras questões. Como se vê, nada é preto no branco. Se ao menos vivêssemos num submarino amarelo, onde todos são amigos...







 

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