Na versão inglesa do website de um hotel francês,que visitamos alguns verões atrás, um aviso em letras garrafais: ‘Homens não poderão usar a piscina, se estiverem vestindo short. É uma questão de higiene’.
A mensagem era clara e tinha um alvo certo, os turistas ingleses. Na
França, os homens nadam de ‘speedos’ (do mesmo jeito que a gente chama
barbeador de gilete, sunga em inglês é speedo). Na Inglaterra, de short e
bermuda. Vi uma mensagem espelhada (que mostra exatamente o oposto) no site de
um parque temático inglês. Os rapazes eram ‘convidados’ a usar bermudas e
shorts, para preservar a decência do estabelecimento. Comentei sobre o assunto
com as minhas amigas inglesas, que se disseram incomodadas com a sunga. Uma
delas disse: credo, ficar vendo as coisas balançando e os cabelos saindo do
calção. Não é nada bonito.
Confesso que nunca tinha pensado no caso sob esta ótica.
Rapazes caridosos arquivo pessoal |
Sempre tem alguma coisa interessante acontecendo em Londres, especialmente no fim
da primavera, começo do verão, a cidade ferve. No fim-de-semana retrasado, as
ruas que circulam o St. James Park até o palácio da rainha foram fechadas para
uma série de corridas de uma milha. Paralelo ao evento, topei com os rapazes da
foto acima, com muita pele descoberta. Eles estavam angariando fundos para uma
instituição de caridade. Eu estava tão ocupada tirando as fotos, que não
saberia dizer qual. Mas aqui funciona assim. Digamos que você queira arrecadar
fundos para o lar dos velhinhos por exemplo. Ao invés de sair pedindo dinheiro
para a causa, você diz: quanto você me dá para eu correr seminu pelo centro de
Londres? Ou, quanto você me dá para cada quilômetro que eu correr e assim por
diante. O fato é que esses moços caridosos pararam o trânsito, os pedestres e
foram fotografados por uma legião de turistas. Uma cena impensável na virada do
século vinte, quando roupa de banho ainda era uma raridade, disponível apenas
para os mais ricos. Melhor contar essa história do princípio.
Modelo de 1890 - arquivo pessoal |
Até meados do século dezenove, só os homens nadavam. Escondidos em praias exclusivas para eles.
Claro que estou falando desta ilha, onde o clima nada tropical não colabora. Depois, os banhos de mar passam a ser encarados como
atividade física, quase que medicinal. A ideia era se molhar, nadar um
pouco e sair. Tomar sol não estava em questão. Aliás, as pessoas de pele
bronzeada eram as que trabalhavam nos campos, os pescadores, os plebeus. A pele
branca era sinônimo de riqueza. Hoje em dia, os branquelos são os que vivem
trancafiados nos escritórios sem tempo, nem dinheiro, para umas férias à beira
mar. Sinal dos tempos.
Modelo de 1890 Copyright: Leicestershire County Council Museums Service |
As mudanças na sociedade e na forma de viver ficam evidentes na
exposição Riviera Style, no Fashion and Textile Museum em Londres – um museu
charmosinho escondido numa ruela perto da estação de London Bridge. As primeiras peças da mostra são as roupas de banho femininas. Na virada do século vinte, as mulheres começam a ir à praia. Já imaginou nadar com o modelito acima, feito de lã, usando uma cinta por baixo e meias pretas? O tecido era pesado e coçava horrores quando molhado. Tudo em nome da moral e bons costumes da época.
Modelos masculinos arquivo pessoal |
Para ficar de acordo com o decoro da época, os homens também tinham que
cobrir o peito na praia, uma lei que só foi abolida em 1930. Os cintos não eram
meramente estéticos, eles evitavam que o maiô virasse um ‘balão’ na água.
Quem já passou pela Itália no meio do mês de agosto deve ter se
surpreendido com algumas cidades totalmente desertas. Culpa do Ferragosto, um
feriado nacional, porque ninguém é ferro e todo mundo precisa descansar um
pouco na praia. O país para literalmente. Um problema para os velhinhos, que
não viajam e não têm onde sequer comprar comida. Nesta Ilha distante do
Mediterrâneo, na década de trinta muitas fábricas seguiam o exemplo italiano e
fechavam suas portas durante uma semana no verão. Nascia assim o conceito de
férias! E, de brinde, a moda praia.
Promessa de dias luxuosos © King & McGaw |
O ‘pulo do gato’ foi popularizar as férias à beira mar e ao mesmo tempo
vender a ideia de que era um luxo e exclusivo para poucos. Neste ponto parece
que as coisas não mudaram tanto assim. A internet está cheia de websites que
prometem exatamente a mesma coisa, com uma linguagem diferente. Se antes da
guerra o chique era ir até à costa, hoje em dia é viajar para a Austrália, ou
se banhar nos hotéis de luxo em Dubai.
Pijamas de Praia arquivo pessoal |
De volta aos anos 30, um bom exemplo da nova moda, que sonha com dias ensolarados, eram os
pijamas estampados, que as ricas e famosas usavam antes da guerra, desfrutando
coquetéis quase tão exóticos quanto as estampas. Uma excentricidade de vida curta. Os tempos mudaram drasticamente. Durante a Segunda Guerra não
havia clima e nem dinheiro para coquetéis e moda praia. Foi um período
dormente, que despertou com força no final da década de quarenta e cinquenta,
com uma revolução nos materiais. Os maiôs de lã desapareceram. Vieram os de
elásticos e as fibras industriais ficavam cada vez mais sofisticadas, abrindo
caminho para os modelos que revelam o contorno do corpo.
Anos 40 e 50 arquivo pessoal |
Nos anos 50 e 60, os concursos de beleza se popularizam. Os desfiles de
maiô são destaque. Os modelos estruturados, de lastex, buscam inspiração nos
corpetes. No fim dos 60 uma nova revolução de costumes está no ar. Menos estrutura e estampas
psicodélicas. Os biquínis, que existiam na França desde 1946, só
começaram a aparecer nas praias daqui na década de 60. Dez anos depois, se
tornam mais populares do que nunca.
Modelito de Miss arquivo pessoal |
Modelo com bolso arquivo pessoal |
Anos 70 © Leicestershire County Council Museums Service |
A grande diferença, de acordo com o estilista David Sassoon, é que na
década de 50 as moças queriam se parecer com suas mães, nas décadas seguintes, as
mães querem se parecer com as filhas.
Modelos cavados nos anos 80 arquivo pessoal |
Chegam os anos 80 das mulheres profissionais e poderosas. Saem os
modelos estampados, os decotes ficam profundos e as cavas altas.
No novo milênio, a ênfase nos tecidos é maior, assim como a preocupação
com um bronzeado bonito. A Speedo, aquela empresa australiana das sungas, lança
um maiô de natação que ajuda a quebrar recordes de velocidade.
2000 Novos tecidos |
Brasil, Austrália,
Estados Unidos e Inglaterra se firmam como os centros que lançam a moda praia.
Aos poucos os biquínis ficam maiores. Saem as tanguinhas e surgem os
shortinhos. É a moda praia se ajustando aos novos padrões de corpo, cada vez
mais gordinhos.
Modelos que cobrem mais arquivo pessoal |
Burkini arquivo pessoal |
Uma das últimas peças da exposição em Londres é um burkini. O nome diz
tudo: um híbrido de burca com biquíni. Um modelo que ficou famoso quando a chef
Nigella Lawson foi se banhar na Austrália, vestindo um deles. O burkini cobre
mais o corpo do que o modelo feito de lã do começo deste post. Talvez a moda
pegue entre as mulçumanas da Tailândia e elas possam nadar com mais conforto. Afinal, a grande diferença entre o modelo de
1900 e o burkini está no tecido, leve e confortável. O que leva a pensar que a
tecnologia pode estar evoluindo constantemente, mas os modelos vão sempre
refletir um determinado momento histórico. O que nossos tataranetos vão dizer
de nós?