domingo, 31 de maio de 2015

Com as canelas de fora






Na versão inglesa do website de um hotel francês,que visitamos alguns verões atrás,  um aviso em letras garrafais: ‘Homens não poderão usar a piscina, se estiverem vestindo short. É uma questão de higiene’.



A mensagem era clara e tinha um alvo certo, os turistas ingleses. Na França, os homens nadam de ‘speedos’ (do mesmo jeito que a gente chama barbeador de gilete, sunga em inglês é speedo). Na Inglaterra, de short e bermuda. Vi uma mensagem espelhada (que mostra exatamente o oposto) no site de um parque temático inglês. Os rapazes eram ‘convidados’ a usar bermudas e shorts, para preservar a decência do estabelecimento. Comentei sobre o assunto com as minhas amigas inglesas, que se disseram incomodadas com a sunga. Uma delas disse: credo, ficar vendo as coisas balançando e os cabelos saindo do calção. Não é nada bonito.




Confesso que nunca tinha pensado no caso sob esta ótica.
 

 
Rapazes caridosos
arquivo pessoal





Sempre tem alguma coisa interessante acontecendo em Londres, especialmente no fim da primavera, começo do verão, a cidade ferve. No fim-de-semana retrasado, as ruas que circulam o St. James Park até o palácio da rainha foram fechadas para uma série de corridas de uma milha. Paralelo ao evento, topei com os rapazes da foto acima, com muita pele descoberta. Eles estavam angariando fundos para uma instituição de caridade. Eu estava tão ocupada tirando as fotos, que não saberia dizer qual. Mas aqui funciona assim. Digamos que você queira arrecadar fundos para o lar dos velhinhos por exemplo. Ao invés de sair pedindo dinheiro para a causa, você diz: quanto você me dá para eu correr seminu pelo centro de Londres? Ou, quanto você me dá para cada quilômetro que eu correr e assim por diante. O fato é que esses moços caridosos pararam o trânsito, os pedestres e foram fotografados por uma legião de turistas. Uma cena impensável na virada do século vinte, quando roupa de banho ainda era uma raridade, disponível apenas para os mais ricos. Melhor contar essa história do princípio.
 
 
 
Modelo de 1890 - arquivo pessoal



Até meados do século dezenove, só os homens nadavam. Escondidos em praias exclusivas para eles. Claro que estou falando desta ilha, onde o clima nada tropical não colabora. Depois, os banhos de mar passam a ser encarados como atividade física, quase que medicinal. A ideia era se molhar, nadar um pouco e sair. Tomar sol não estava em questão. Aliás, as pessoas de pele bronzeada eram as que trabalhavam nos campos, os pescadores, os plebeus. A pele branca era sinônimo de riqueza. Hoje em dia, os branquelos são os que vivem trancafiados nos escritórios sem tempo, nem dinheiro, para umas férias à beira mar. Sinal dos tempos.

 
  
Modelo de 1890
Copyright: Leicestershire County Council Museums Service
 
 
 

As mudanças na sociedade e na forma de viver ficam evidentes na exposição Riviera Style, no Fashion and Textile Museum em Londres – um museu charmosinho escondido numa ruela perto da estação de London Bridge. As primeiras peças da mostra são as roupas de banho femininas. Na virada do século vinte, as mulheres começam a ir à praia. Já imaginou nadar com o modelito acima, feito de lã, usando uma cinta por baixo e meias pretas?  O tecido era pesado e coçava horrores quando molhado. Tudo em nome da moral e bons costumes da época.
 
 
 
Modelos masculinos
arquivo pessoal
 
 
 
Para ficar de acordo com o decoro da época, os homens também tinham que cobrir o peito na praia, uma lei que só foi abolida em 1930. Os cintos não eram meramente estéticos, eles evitavam que o maiô virasse um ‘balão’ na água.
Quem já passou pela Itália no meio do mês de agosto deve ter se surpreendido com algumas cidades totalmente desertas. Culpa do Ferragosto, um feriado nacional, porque ninguém é ferro e todo mundo precisa descansar um pouco na praia. O país para literalmente. Um problema para os velhinhos, que não viajam e não têm onde sequer comprar comida. Nesta Ilha distante do Mediterrâneo, na década de trinta muitas fábricas seguiam o exemplo italiano e fechavam suas portas durante uma semana no verão. Nascia assim o conceito de férias!  E, de brinde, a moda praia.
 
 
 
Promessa de dias luxuosos
© King & McGaw
 
 
 
O ‘pulo do gato’ foi popularizar as férias à beira mar e ao mesmo tempo vender a ideia de que era um luxo e exclusivo para poucos. Neste ponto parece que as coisas não mudaram tanto assim. A internet está cheia de websites que prometem exatamente a mesma coisa, com uma linguagem diferente. Se antes da guerra o chique era ir até à costa, hoje em dia é viajar para a Austrália, ou se banhar nos hotéis de luxo em Dubai.

 
Pijamas de Praia
arquivo pessoal
 
 
 
De volta aos anos 30, um bom exemplo da nova moda, que sonha com dias ensolarados, eram os pijamas estampados, que as ricas e famosas usavam antes da guerra, desfrutando coquetéis quase tão exóticos quanto as estampas. Uma excentricidade de vida curta. Os tempos mudaram drasticamente. Durante a Segunda Guerra não havia clima e nem dinheiro para coquetéis e moda praia. Foi um período dormente, que despertou com força no final da década de quarenta e cinquenta, com uma revolução nos materiais. Os maiôs de lã desapareceram. Vieram os de elásticos e as fibras industriais ficavam cada vez mais sofisticadas, abrindo caminho para os modelos que revelam o contorno do corpo.
 
 
 
Anos 40 e 50
arquivo pessoal


 
Nos anos 50 e 60, os concursos de beleza se popularizam. Os desfiles de maiô são destaque. Os modelos estruturados, de lastex, buscam inspiração nos corpetes. No fim dos 60 uma  nova revolução de costumes está no ar. Menos estrutura e estampas psicodélicas. Os biquínis, que existiam na França desde 1946,  só começaram a aparecer nas praias daqui na década de 60. Dez anos depois, se tornam mais populares do que nunca.
 
 
 
Modelito de Miss
arquivo pessoal
Modelo com bolso
arquivo pessoal

Anos 70
© Leicestershire County Council Museums Service



 A grande diferença, de acordo com o estilista David Sassoon, é que na década de 50 as moças queriam se parecer com suas mães, nas décadas seguintes, as mães querem se parecer com as filhas.
 
 
 
Modelos cavados nos anos 80
arquivo pessoal

 
 
 
Chegam os anos 80 das mulheres profissionais e poderosas. Saem os modelos estampados, os decotes ficam profundos e as cavas altas.


No novo milênio, a ênfase nos tecidos é maior, assim como a preocupação com um bronzeado bonito. A Speedo, aquela empresa australiana das sungas, lança um maiô de natação que ajuda a quebrar recordes de velocidade.

 
2000 Novos tecidos
 
 
 
Brasil, Austrália, Estados Unidos e Inglaterra se firmam como os centros que lançam a moda praia. Aos poucos os biquínis ficam maiores. Saem as tanguinhas e surgem os shortinhos. É a moda praia se ajustando aos novos padrões de corpo, cada vez mais gordinhos.

 

Modelos que cobrem mais
arquivo pessoal

 
 
 
Sabe aquelas situações  em que a gente está sozinha e adoraria ter alguém para dividir um momento? Pois é, aconteceu comigo quando caminhava numa praia da Tailândia. Vi uma senhora italiana, que já tinha passado faz tempo dos 60. Ela usava um chapelão, muitas correntinhas de ouro com penduricalhos e a calcinha do biquíni. O sutiã, tenho a impressão, ela deve ter se esquecido de por na mala. Uma figuraça! Estava olhando para ela, quando percebi que ela tinha os olhos fixos no mar e o queixo caído. Virei o rosto para ver o que ela estava olhando e vi um casal de mulçumanos quebrando as ondas, em direção à praia. Ele usava uma bermuda. Ela uma burca preta. Só o rosto estava à mostra. Tive que parar para ver melhor aquele choque de culturas, doida pra ter com quem dividir a cena.




Burkini
arquivo pessoal




Uma das últimas peças da exposição em Londres é um burkini. O nome diz tudo: um híbrido de burca com biquíni. Um modelo que ficou famoso quando a chef Nigella Lawson foi se banhar na Austrália, vestindo um deles. O burkini cobre mais o corpo do que o modelo feito de lã do começo deste post. Talvez a moda pegue entre as mulçumanas da Tailândia e elas possam nadar com mais conforto. Afinal, a grande diferença entre o modelo de 1900 e o burkini está no tecido, leve e confortável. O que leva a pensar que a tecnologia pode estar evoluindo constantemente, mas os modelos vão sempre refletir um determinado momento histórico. O que nossos tataranetos vão dizer de nós?




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