O Royal Opera House em
Londres é um espanto. O teatro é lindíssimo, enorme, tem vários restaurantes e
apresentações de música, dança e balé de primeira linha. Também é um espaço democrático.
Existem ingressos a partir de quatro libras (vinte reais) até mais de cem
libras. No intervalo das apresentações, várias pessoas abrem suas maletas
térmicas e retiram de lá bananas, sanduiches caseiros e outras farofices. Enquanto isso,
homens de ternos alinhados e mulheres com saltos tão altos, que fariam Isaac Newton duvidar de suas
leis, bebem champanhe como quem toma Coca-Cola. O convívio civilizado
destes dois mundos no mesmo hall sempre me surpreende e me encanta. Tem lugar para todo
mundo. De certa forma, a crônica social que se desenrola despretensiosamente entre um ato e outro do Royal
Opera House traduz bem o espírito londrino.
“Londres é uma cidade
aberta para pessoas do mundo todo”. A frase é do brasileiro Thiago Soares ao lado de sua
esposa, a argentina Marianela Nunez. Além de casados, eles são o primeiro casal
de bailarinos do Royal Ballet e estrelam um curta produzido pelo Visit London,
uma organização empenhada em criar a reputação internacional da cidade. A peça
promocional é uma graça. No filminho, Marianela conta que, assim que viu Thiago
pela primeira vez, soube que ele era o novo ‘cara’ do Brasil. Ele revela que a
pediu em casamento durante uma apresentação no Royal Opera House. Ela estava
toda concentrada e só entendeu o que se passava quando ele
abriu uma caixinha (com o anel) e ela se sentiu a garota mais sortuda do
planeta. Eles se dizem apaixonados pela cidade e enumeram as qualidades da
capital inglesa.
Logo que cheguei em
Londres, uma capa da revista Time Out me perseguia e me assombrava na mesma medida. Estava em
todas as bancas e dizia: POSH NOSH FOR LESS DOSH. Que diabo de língua era
aquela? Do que me valeram os anos de Cultura Inglesa? Aprendi rápido que o
inglês das ruas não havia entrado na sala de aula e que na capa da revista
estava escrito: comida metida (chique) a preços baratos. Recentemente outra
capa da Time Out me chamou atenção. Dizia que Londres é a cidade mais grandiosa
do planeta.
Todo mundo gosta de
puxar a sardinha para o seu lado, mas neste caso não era exagero. Os números do
Office for National Statistics, uma espécie de IBGE inglês, não deixam dúvidas:
Londres é atualmente a cidade mais visitada do mundo. Bateu Paris, Bangkok e
Nova York no ranking das mais populares. Recebeu, em 2013, 16.8 milhões de
turistas. Nada mal mesmo. Esse povão gastou 11.2 bilhões de libras (multiplique
por 5 para saber que não é pouca fartura). Mas o que Londres tem, que as outras
não têm? Qual é o segredo do sucesso?
National Gallery - Trafalgar Sqaure |
De certa forma, as
páginas da Time Out trazem a resposta. A revista publica a programação cultural, artística e eventos esportivos da cidade. É só dar uma folheada e mesmo a pessoa mais desplugada
percebe que tem muita coisa acontecendo na capital. O tempo todo. Os museus são
de graça. Sua praia é arte moderna? Clássica? Histórica? Moda? Design? Música?
Cultura pop? Ninguém precisa fazer o programa que não curte. Não faltam opções.
E o melhor é que os museus londrinos não são aqueles prédios onde o pó se
acumula e pessoas esverdeadas pela falta de sol se arrastam morosamente.
O British Museum abriga
uma das coleções mais controvertidas. Parte do mundo antigo da Grécia, Egito e
vários países do Oriente Médio está lá para todo mundo ver. Algumas peças foram
compradas. Outras, contrabandeadas na cara dura. A Grécia vive querendo repatriar algumas das
peças. A briga é boa. Os ingleses dizem que no museu as obras estão protegidas
para a posteridade. Vendo o que o Estado Islâmico anda fazendo com os tesouros
arqueológicos no Oriente Médio, o argumento ganha força – que nenhum grego me
ouça. Mas esse é um assunto para outra hora. O que interessa é que o British Museum está
comemorando os melhores resultados de sua história. Recebeu em 2013 seis
milhões e setecentos mil visitantes. Turistas que foram atraídos não só pela
mostra permanente do acervo, mas também por exposições temporárias como a que
contou sobre a vida e morte aos pés do Vesúvio.
O nome do jogo é
inovação e dinamismo. Palavras que os marqueteiros adoram, mas que aqui são levadas
a sério. Não só nos museus, mas nos teatros e outros templos da cultura, as
bolas estão sempre no ar, num malabarismo habilidoso.
Informação e estratégia
Esse malabarismo é
muito profissional e não brinca em serviço. O vídeo promocional acima é apenas
uma pontinha visível deste trabalho do London & Partners, uma organização
que funciona num esquema de cooperação entre a prefeitura local e a iniciativa
privada. Eles sabem direitinho que os franceses estão entre os que visitam mais
a capital, mas que os mais mão aberta são os viajantes do Oriente Médio. Os
brasileiros, assim como os russos, gostam de visitar as atrações que tenham
ligação com a monarquia, como a Torre de Londres, onde Ana Bolena perdeu sua
cabeça. Ou o Palácio de Buckingham, residência da rainha, sem falar na Catedral de St.
Paul, onde Charles e Diana se casaram.
Durante vários anos fiz
a retrospectiva dos fatos marcantes do ano para uma emissora de televisão brasileira. Me
lembro que em 1997, fui ao centro de São Paulo fazer algumas entrevistas para o
programa. Uma senhorinha me disse emocionada que o que tinha gostado mais no
ano foi da morte da princesa. ‘Foi muito lindo’, disse ela, como se falasse da
novela das sete. Na cabeça dela, era uma ficção. Um conto de fadas de um reino
distante. O fato é que a monarquia vende. Mas será que atrai mesmo turistas
para esta ilha?
O fascínio real
De acordo com o Visit
London, parte do London & Partners, a família real é sim um atrativo. Em
2010, as atrações reais renderam meio bilhão de libras. Os turistas teriam
listado o que achavam mais representativo desta ilha. A rainha ficou em terceiro lugar,
depois dos ônibus de dois andares e dos castelos.
O jornal The Guardian,
famoso por ser antimonárquico, diz que não dá para mensurar se a família real
rende ou não rende dinheiro para o turismo do país. Eles levam em conta somente
o ingresso cobrado para a visitação do Palácio de Buckingham no verão. O que
não dá para cobrir nem as despesas reais. Logo, a família real dá prejuízo, na
conclusão do jornal.
Já o The Telegraph,
argumenta que o custo da família real é uma barganha. A rainha, príncipes e
princesas custam ao contribuinte britânico 56 centavos de libra por ano. O
custo da presidência alemã é o mesmo, eles argumentam. E quem é mesmo o
presidente da Alemanha? Você sairia de casa para visitá-lo?
A roda gigante que era
para ser temporária e se tornou uma das maiores atrações turísticas
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Do mesmo jeito que Nova York é chamada de
Big Apple, Londres foi um dia a Big Smoke.O fog londrino ficou no passado,
junto com as lareiras a lenha. A cidade acaba de conquistar pela quinta vez em
sete anos o título de a mais popular do planeta, de acordo com o Mastercad
Annual Destinations Cities Index. A expectativa é de que 2015 termine com o
número recorde de 18.82 milhões de visitantes. Com uma vida cultural intensa,
parques e muita área verde, transporte fácil, restaurantes cosmopolitas e acomodação de sobra, Londres
está deixando as outras capitais na fumaça.