“Você amarrou os
sapatos de forma errada a vida toda e nem sabia”. “10 coisas que você precisa
saber sobre o papel higiênico”. “Tudo o que você precisa saber sobre o Islã num
vídeo de cinco minutos”. “ 100 livros que você precisa ler”. “ 5 peças que não
podem faltar no seu guarda-roupas neste verão”. “ Faça o teste que revela como
o mundo enxerga você”. “Assista ao vídeo da mulher traída armando barraco”. “ A
bunda mais linda do Brasil”. “Que cor era o vestido azul de Napoleão? ” “Os
carros dos super ricos”. “ Menina diagnosticada com doença rara tem três dias
para viver”. “A dieta do homem das cavernas”. “O bolo da garrafa de Coca-Cola”.
“Os melhores chefs do mundo”. “Homem perde 70 quilos e arruma namorada”. “Mulher
pede ajuda para tratar anorexia”. “Coxinhas pelo impeachment”. “ Petralhas
acusam o golpe”. “Trump trucida mulçumanos”. “Le Pen fatura na desgraça”. “Terror
sacode a França”. “Britânicos bombardeiam a Síria”. “Refugiados morrem no mar e
são torturados em terra”. “Terrorista entrou como refugiado”. “O bebezinho que
canta rock e encanta todo mundo”. “ O gato que toca piano”. “ A resposta da
mulher vítima de um troll”. “ O cidadão tem o direito de andar armado e se
defender”. “Armas aumentam a violência”. “Cresce o número de assaltos seguidos
de morte”. “O desastre ecológico do século”. “ O planeta esquenta e a seca
aumenta”. “Vai faltar água”.
Cansou?
Eu fiquei exausta.
Em 2011, os americanos
consumiam cinco vezes mais informação do que em 1986, o equivalente a 175
jornais. Durante as horas de lazer (excluindo trabalho), processaram 32
gigabytes, 100 mil palavras por dia. Estes números foram extraídos do livro que
é um dos best-sellers neste natal aqui na Ilha. Chama-se ‘The Organized Mind –
thinking straight in the age of information overload’ (A mente organizada –
pensando direito na era do excesso de informação), do neurocientista Daniel Levitin.
Procurei o livro em português, mas não encontrei. A estatística acima se refere
aos americanos, mas é cada vez mais óbvio que se aplica a muitos outros países.
O best-seller do momento |
O ponto que o autor
levanta no livro é que na chamada Era da Informação nossos cérebros estão
cansados. Não é à toa que perdemos as chaves de casa, nos esquecemos de coisas
banais o tempo inteiro. As más notícias não terminam por aí: esse estresse
mental faz o corpo produzir cortisol. Em excesso, este hormônio faz engordar,
diminui a libido, afeta a memória e dificulta o aprendizado. É um problema sem
solução? Não, de acordo com o autor. No livro, ele sugere uma série de
estratégias, como fazer uma pausa de quinze minutos a cada duas horas para
ficar pensando em nada, ouvindo música, lendo um livro. A siesta vale ouro.
Cochiladas de quinze minutos valem mais do que uma hora de sono durante a
noite. Arte, experiências religiosas, meditação ou simplesmente deixar a mente
livre são excelentes antídotos para o excesso de cortisol: fazem o corpo
produzir serotonina e aumentam em até 10 pontos o QI.
O Dr Levitin afirma que
nos últimos 20 anos foram produzidas mais informações científicas do que todos
os anos anteriores combinados. O fato de estarmos trocando a literatura de
ficção por artigos que lemos na internet também está nos tornando pessoas com
menor capacidade de empatia. Achamos cada vez mais difícil nos colocarmos no
lugar do outro. As redes sociais fazem nossos cérebros acreditarem que estamos
cada vez mais perto uns dos outros, quando de fato, estamos mais
distantes.
Talvez a geração de
nossos filhos fará um uso melhor do que a Era da Informação tem a oferecer. Confesso
que faço parte do time de iliteratos da internet. Não é que faltei a esta aula,
ela não existia no meu tempo de escola. Para mim, como para muitas outras
pessoas, é difícil separar o joio do trigo. Como saber se a fonte é boa? De onde brota a informação que leio? Sou
mesmo capaz de avaliar riscos e fazer escolhas conscientes?
Durante anos, as
cartinhas de natal da minha filha tinham o mesmo pedido: um cachorrinho de
verdade. Três anos atrás, o natal foi de crise, porque o Papai Noel ouviu o
pedido da melhor amiga dela, mas se esqueceu de trazer um filhotinho aqui para
casa. Aos oito anos, ela escreveu uma carta respeitosa, embora firme (leia-se
enfurecida), para o velhinho de barba branca e roupas vermelhas. Queria saber o
que tinha feito de errado para não ter o pedido aceito.
Acho que é bom desejar
muito alguma coisa. Não acredito que as crianças devam ter todos os desejos
satisfeitos. Mas, sabendo da paixão da minha filha pelos animais, ficava com
pena de não atender o pedido. Os motivos eram muitos: a casa pequena,
carpete, o que fazer com o bicho quando a gente sai de férias, a sujeira na
casa, gasto com veterinário, gasto com ração...
Nós rendemos. Passei
semanas na internet procurando um cachorro. Meus níveis de cortisol devem ter
subido, cada vez que ligava para um dono e ouvia que a ninhada tinha sido
vendida. Era para ser surpresa, mas minha filha descobriu. Fomos as duas buscar
a filhotinha no outro lado de Londres. Um trânsito dos infernos. Ela tensa e
ansiosa. Eu tinha dito que íamos ver se o cachorrinho estava bem, se não
estivesse, teríamos que procurar outro. Ela concordou com um sim, quase
inaudível. Foi falando sobre os nomes que queria para o bichinho de estimação.
No carro, com a Honey
May no colo, a Anna começou a chorar compulsivamente. Dizia sem parar: não
acredito que tenho um cachorro. Não acredito, mãe.
Honey está conosco há três
semanas. Foi o maior berreiro na primeira noite. Anda roendo uns rodapés.
Entrou escondida na sala e fez xixi no carpete. Saliva quando vê as minhas
havaianas. A casa virou casa de neném, não fica nada ao alcance dos dentinhos
afiados de Honey.
A casa também ficou
mais alegre e mais cheia. As gargalhadas decoram o ambiente. As visitas querem
conhecer o mais novo membro da família. É impossível resistir ao charme dela e
nós todos brincamos juntos. O próximo passo vai ser começarmos a falar em
cachorrês. Estamos quase lá.
Não adianta querermos
brigar com a tecnologia. Nos tornarmos nostálgicos. Não tem volta e ainda bem. As
possibilidades são maiores. Mas precisamos aprender a fazer um uso melhor da
informação. Não nos tornarmos escravos dela e muito menos deixar que ela nos
amedronte. Sugue as nossas energias. As vezes, as escolhas que não parecem lá muito sensatas, ou
inteligentes, são as que precisamos fazer.
Esse é o meu desejo
para 2016. Que possamos viver no presente, ainda que imperfeito, sem perder de
vista o que realmente importa para cada um de nós. Seja lá o que for.