Pela primeira vez
na vida, fui acampar. Podia ter escolhido melhor, mas calhou de ser na páscoa.
O cenário lembrava o do filme a bruxa de Blair - foi o que a minha irmã disse ao
ver as fotos da floresta. O que salvou o feriado foram as boas companhias. Estava um frio
de rachar. Na primeira noite choveu sem parar. Parecia que estávamos dentro de
uma panela de fazer pipoca. Na segunda, fez zero grau. Ai. O travesseiro, as
roupas e até os ossos estavam gelados e úmidos. Com muita lama, chuva e frio,
não nos restou muita coisa além de prosear, comer e beber, enquanto tentávamos
nos aquecer ao redor da fogueira.
Comer pra esquentar |
Camping assombrado |
Papo vai, papo
vem, e como todo mundo na roda já tinha passado dos quarenta, o assunto é claro
foi parar nas comidas. Meus amigos eram ingleses, mas como um deles era filho
de italiano, resolvi arriscar e desanquei o macarrão de lata. Uma das minhas
amigas entrou na barraca dela e voltou segurando uma latinha. 'É esse aqui que
você acha que tem gosto de comida de cachorro?' Ela perguntou. Ops! Demos boas risadas. Para tentar limpar a minha barra, disse que
nós brasileiros comemos churrasquinho de coração de galinha, o que os ingleses
acham repugnante.
Bem ruim |
Não tem jeito. Essa é uma daquelas discussões clássicas que não levam a lugar algum. Paladar, eu aprendi aqui, é extremamente cultural. A gente gosta do que está acostumado a comer. O consolo é que nossos gostos podem sempre mudar.
Tem comida aqui que eu não encarava de jeito nenhum e hoje em dia já como sem fazer careta, se não tiver outra opção. Uma delas é o baked beans, um feijão enlatado, que vem num molho de tomate, levemente adocicado e que os ingleses gostam de comer no café da manhã. Aliás, os europeus em geral acham nossos doces muito doces, mas os ingleses gostam de misturar açúcar e mel na comida salgada.
Feijao doce |
Tem também o ‘marmite’,
que como o pequi, é um caso de ame ou odeie. O marmite é um gosto que ainda não
adquiri. Provei mais de uma vez, mas não desce. Tem a aparência de uma geleia
de chocolate. As aparências enganam. Marmite existe desde o século dezenove. A
pasta escura e grudenta feita de levedura é um subproduto da fabricação de
cerveja. Com a descoberta das vitaminas, o produto, que é rico em vitaminas do
complexo B, se tornou popular na Primeira Guerra Mundial. Até pensei em comprar
um pote e provar de novo para descrever melhor o sabor, mas resolvi deixar
para imaginação de cada um. Só pense que tem gosto de remédio com uma pitada de
sal.
Tem gente que gosta |
Já faz uns anos,
estava trabalhando como voluntária numa escola primária, quando a professora
decidiu que era dia de ensinar os alunos a prepararem seus sanduíches (artigo de primeira necessidade por aqui). As crianças tinham cinco, seis anos de idade. Um dos meninos, um iraniano, era muito levado.
Ele viu o pote de marmite e mandou ver. Emplastrou o pão, achando que era
chocolate. Quem conhece sabe que se deve passar uma camada finíssima sobre o
pão com manteiga, porque o produto é muito forte. Eu estava ocupada ajudando outras crianças,
quando vi o menino prestes a abocanhar o sanduba explosivo. Não deu tempo de dizer nada.
Ele cuspiu o pão numa rapidez impressionante. Os olhinhos dele se encheram d’agua e
eu tive que sair da sala, porque estava quase chorando de tanto rir. O iranianinho
passou o resto do dia como um anjo. Quietinho e calado. Santo marmite!
Quem só visita Londres pode ter uma ideia errada sobre os hábitos alimentares
dos ingleses. A cidade é cosmopolita, com restaurantes do mundo inteiro e chefs
famosos. Mas é no interiorzão do Reino que a gente tem uma visão mais clara de
como eles comem.
Uma vez, voltando de uma viagem ao País de Gales, a fome bateu e
resolvemos arriscar um pub numa cidade pequena no meio do nada. A dona do bar
avisou: só tem lasanha hoje. Se só tem tu, vai tu mesmo. Esperamos o tempo que
leva para esquentar um prato no micro-ondas (posso apostar que a massa tinha sido comprada pronta e congelada) e nosso almoço chegou. Lasanha
acompanhada de batata assada (murcha e com casca mesmo) e purê de batata! Não
vou nem entrar no mérito do sabor... que raio de combinação é essa? Esse é um
exemplo meio extremo, mas o típico cidadão britânico, principalmente os com mais de 60 anos,
não tem a menor imaginação na cozinha.
Eles dizem que é porque durante e no pós-guerra tiveram os
ingredientes racionados e tinham que improvisar com muito pouco. A segunda
parte é verdade. A primeira eu acho difícil de engolir. Os franceses e os
alemães também sofreram com racionamentos e a culinária deles não é como a dos
ingleses.
Leitor de código de barras |
Antes de escrever este post, fui às compras. Alguns supermercados daqui
foram além no conceito de ‘self-service’ e introduziram os scanners portáteis.
Você passa o cartão de fidelidade do supermercado num leitor de código de
barras e retira uma das maquininhas. À medida que vai comprando, o cliente vai
escaneando os produtos e já colocando nas sacolas que traz de casa. Na hora de
ir embora é só apontar o leitor de código de barras para um computador, fazer o
download e pagar.
Adoro essa engenhoca. De vez em quando, o computador seleciona um
cliente para uma blitz surpresa. Um funcionário escolhe ao acaso alguns
produtos, para checar se está tudo certo. A moça do supermercado, que uso toda
semana, contou que teve uma mulher que ‘se esqueceu’ de marcar mais de cem
libras em produtos (cerca de R$ 450)! Fora o mico, essa pessoa perde o
privilégio de usar a maquininha e pode até ser processada por furto.
Mas o assunto é outro. Tive a paciência de contar e anotar os nomes de
todas as variedades de açúcar que estavam à venda. VINTE! Açúcar para fazer
geleia, tinham dois, de confeitar bolo, mascavo de três tons diferentes,
granulados diversos, eram tantos que nem sei se tem produtos equivalentes no
Brasil. Creme de leite fresco? Encontrei nove tipos, porque não é época de
natal. Se fosse, ainda teriam os temperados com conhaque e outras bebidas
alcóolicas.
Creme de leite |
Paraíso das
formigas |
Segundo consta, meu avô não gostava dos americanos, mas adorava a caneta
Parker. Ele dizia que os americanos tinham inventado a melhor caneta do mundo. ‘Uma
pena que não sabiam escrever’. Quando vou aos supermercados desta Ilha, me
sinto um pouco mais neta do avô que nem cheguei a conhecer. Acredito que
existam poucos países no mundo com tanta variedade de produtos nas prateleiras
como aqui. Com tanta oferta, os britânicos tinham quase que a obrigação de
servirem uma comida mais decente.
Eu poderia falar: os ingleses têm produtos do mundo todo, mas não sabem
o que fazer com eles. Como gosto não se discute, por ora, vamos dizer apenas que meu
paladar ainda não inglesou de vez.
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