“ Meu filho já saiu da
maternidade mamando na mamadeira. Acho mais justo. Assim, uma noite eu fico
acordada e na outra é a vez do meu marido. Por que só eu tenho que perder o
sono? Somos ambos os pais da criança: direitos e deveres iguais! ” Com poucas
variações, já ouvi esta frase algumas vezes aqui na Ilha. A primeira vez foi
uma ex-vizinha, que completava dizendo que por causa de sua decisão, ela nem
teve que abrir mão do vinhozinho, que gosta de tomar para relaxar ao fim de um
dia atribulado.
Kirstie Allsopp é uma
figura carimbada na tevê britânica. Ela apresenta programas como o Location,
location, location, atuando como uma espécie de corretora de imóveis, mostrando
casas a compradores em potencial. No ano passado, ela acabou se envolvendo num
bafafá, ao dizer que as mulheres (que quisessem ser mães) deviam ter filhos na
casa dos vinte e não aos trinta e tantos anos e que, se o preço fosse esse, que
adiassem suas carreiras. Para ela, as prioridades estão trocadas e tratamento
de fertilidade não deveria ser planejamento familiar.
Feministas de norte a sul, leste e oeste subiram nas tamancas. Kirstie, que faz a linha sou franca, disse que a
discussão não era política ou social e sim que não se pode mudar a natureza.
Cada mulher é dona do próprio nariz, mas elas que não se enganem: depois dos
trinta e cinco a fecundidade diminui, independentemente da mulher ser bem-sucedida
profissionalmente ou não. A questão, sem dúvida, é complexa e tem muitas
pontas. Mas não dá para negar que, apesar das descobertas científicas terem
evoluído horrores nas últimas décadas, o tal do relógio biológico não para. Ainda
temos deadline, um prazo de validade para nossa fertilidade. Esse prazo vale
tanto para as mulheres nas tribos mais remotas do planeta, quanto para as
presidentes de multinacionais.
Esta semana, Jess
Philips, uma parlamentar do partido trabalhista, entrou com um requerimento,
que ela mesma considera controvertido: quer que as mulheres tenham direito de
amamentar seus bebês no plenário e nas reuniões do Parlamento Britânico. Em
pelo menos uma coisa ela tinha razão: o assunto é polêmico.
A parlamentar Jess Philips |
Um colega de Jess, o
conservador John Burns, mordeu a isca e virou notícia. Ele disse que a
amamentação no Parlamento só deveria ser liberada, quando as caixas de
supermercado puderem trabalhar amamentando os bebês ao mesmo tempo. Para ele,
existe hora e lugar para tudo, amamentar inclusive. Como sempre, fui ver o que
os leitores estavam comentando. A maioria dizia que lugar de trabalho é para
trabalhar e que um bebê iria incomodar. Outro, mais irônico, disse que era
contra, porque se o bebê ficasse ouvindo desde cedo o que os políticos dizem,
nunca saberia diferenciar o certo do errado.
Brincadeiras de lado, a
parlamentar que propôs a mudança disse que o papel dos políticos é liderar pelo
exemplo e que, se o povo pudesse ver seus representantes amamentando em público
e conciliando a vida profissional com a maternidade, seria um exemplo e tanto.
A fotógrafa paulista
Miriam Dias é totalmente a favor da amamentação em público. “Se a criança está
com fome, por que não a alimentar", ela argumenta. Miriam vive na Inglaterra
desde 2006 e participa de um grupo que promove “mamaços”. São mulheres que se
conectam nas redes sociais. Quando se tem notícia de uma mãe que foi maltratada
por alguém por amamentar em público, elas se organizam e vão unidas amamentar
seus bebês no lugar onde aconteceu o mal-estar. Para Miriam, é importante
conscientizar as mulheres sobre os benefícios do aleitamento materno. Ela
acredita que muitas acabem trocando o peito pela mamadeira, porque não recebem
o apoio que necessitam. Seja dos parceiros ou da sociedade.
Miriam amamentando a filha |
Miriam não está
sozinha. Várias campanhas, tanto do governo quanto da sociedade organizada,
tentam incentivar o aleitamento materno. Essas iniciativas surtem algum
resultado. Mais mulheres estão optando pela amamentação nesta parte do planeta
(de 62% em 1990, para 81% em 2010), mas essa determinação toda não vai muito
longe. Bico do peito rachado, dores, inflamações e o fato de que a mãe não pode
sair sem o bebê acabam desestimulando muitas mulheres. O desafio é convencer as
mães a persistirem, sem fingir que não existem problemas no caminho. É preciso
uma discussão honesta sobre o tema e, como disse a Miriam, apoio.
Miriam conta que sua
filha nasceu de cesariana e que no começo o aleitamento não foi fácil. Raquel
perdeu muito peso nos primeiros dias, mais do que é considerado normal. Ela
pediu ajuda às ‘health visitors’ (uma espécie de agente de saúde que visita em
casa TODAS as mulheres que tiveram filho recentemente). No dia seguinte,
recebeu a visita de uma consultora em aleitamento. Elas não se acertaram. Dois
dias depois, veio outra, que a ajudou bastante. Raquel tem dois anos
e onze meses e ainda mama no peito. Perguntei a Miriam quando ela vai parar e
ela me respondeu: quando minha filha não quiser mais.
Se pelo menos mais mães
fossem como Miriam, o NHS (o sistema de saúde pública) levantaria suas mãos para
os céus. O Sistema de Saúde publicou os resultados de uma pesquisa da
Universidade Brunel, financiada com recursos da UNICEF. O estudo sugere que apenas
7% das mulheres continuam amamentando depois do quarto mês. E vai além, se este
número passasse para 45%, o sistema de saúde iria economizar 40 milhões de
libras por ano.
Eles chegaram a essa
cifra calculando o quanto gastam com o tratamento de gastroenterite, bronquite,
otite (inflamação de ouvido) e uma doença muito mais grave que necrosa o intestino
dos bebês. Estas doenças citadas acima são muito menos recorrentes em crianças
que mamam no peito. Além do mais, o aleitamento reduz os riscos de câncer de mama, de ovário e diabetes.
Em suma, segundo o estudo, amamentação não é apenas melhor para a mãe e o bebê,
mas também para os cofres públicos.
Se
amamentar meu bebê é desconfortável para você, me diga, por que você não olha para o outro lado? |
Mas o que fazer quando
a mulher quer, mas não pode amamentar, porque tem que trabalhar? Aqui na Ilha a
licença maternidade é de 26 semanas e pode em alguns casos ser estendida por
mais 26 semanas. Seis meses de aleitamento está de
bom tamanho, não? Há controvérsias. Existe o argumento de que, depois dos seis
meses, os benefícios do aleitamento materno X mamadeira não são tão
significativos.
A socióloga Cynthia
Colen, da universidade de Ohio nos Estados Unidos, conduziu um estudo para
investigar os benefícios do aleitamento longo (mais de seis meses). Ela partiu
da premissa que crianças que recebem o aleitamento materno por um período mais
longo apresentam ganhos não só em termos de saúde, mas também no desenvolvimento
cognitivo.
A Dra. Colen analisou informações colhidas num
período de 25 anos, com mais de 8 mil crianças de 4 a 14 anos. Ela quase caiu
para trás com os resultados que encontrou. A maioria dos estudos compara o
aleitamento nas famílias de poder socioeconômico baixo com famílias que estão
melhor de vida. Já se sabe que as mulheres com menos problemas financeiros e
nível educacional mais alto são as que mais amamentam seus filhos, além de serem mais propensas a oferecer uma alimentação saudável e de entenderem melhor
os benefícios da educação. Quando ela
comparou grupos de crianças de famílias com o mesmo poder aquisitivo, ela
concluiu que os benefícios do aleitamento longo simplesmente desapareceram. Ou seja, não apresentaram nenhum ganho significativo. No
entanto, a pesquisadora diz que é inegável os benefícios do aleitamento, só que
é preciso uma discussão mais balanceada sobre o assunto.