terça-feira, 4 de agosto de 2015

Nação do Dedo Verde




Mil novecentos e setenta e tantos. Apesar do inverno gelado, essa Ilha fervia em convulsões populares e greves. Programas sociais eram esmigalhados pelo punho impiedoso de Margaret Thatcher. Em Colchester (a 82 quilômetros de Londres), a brasileira Clara desvendava na marra o bê-á-bá da cultura britânica. 


Na tevê, o noticiário era sombrio e ela nem escutava. Estava atrasada para o primeiro compromisso social da filha. Uma festinha de aniversário. Faltava embrulhar o presente, mas ela não conseguia encontrar uma fita adesiva. Tem coisas que não mudam só porque a gente troca de continente. Ela se lembrou de que a vizinha havia sido simpática quando se mudaram. Resolveu arriscar. Bateu na porta da casa ao lado. A vizinha veio atender intrigada. Não esperava visitas. Clara a cumprimentou e foi direto ao assunto. Pediu um durex emprestado. Falou mais ou menos assim:

- “May I borrow your durex, please”.


De ligeiramente curiosa, a vizinha passou a estupefata, no tempo em que levou para que sua cabeça entendesse o que a estrangeira dizia com sotaque carregado. Notando a expressão da mulher e sem entender nada, Clara tentou consertar o mal-estar dizendo que ia usar o durex rapidinho e já-já o devolveria.

 

Durex para nós brasileiros é sinônimo de fita adesiva. Na Inglaterra, é camisinha. Uma lição que Clara nem precisou anotar, porque  não se esqueceria jamais.

 

Veio a primavera e desta vez foram os vizinhos que bateram na porta de Clara. Foram pedir licença para dar um trato no pequeno jardim, que ficava na frente da casa dela. É que os canteiros da família brasileira destoavam dos outros na rua. Estavam muito caidinhos.





Os jardins atraem turistas do mundo todo

 





Jardinagem é uma paixão nacional no reino de Elizabeth. Tanto que os britânicos gastam mais dinheiro comprando plantas e apetrechos para o jardim do que com outra paixão local: o chocolate. A indústria da jardinagem movimenta cerca de cinco bilhões de libras por ano (R$25bi). Um bilhão de libras só com mudas e sementes para uso caseiro, de acordo com o  Horticultural Trades Association, uma entidade que ajuda produtores e comerciantes a melhorar seus negócios.












Dá para imaginar uma das principais emissoras de tevê do Brasil substituindo as novelas por programas de jardinagem no horário nobre? Aqui na Ilha é assim no começo da primavera e no verão. No calendário anual, os grandes eventos do setor, como o Chelsea Flower Show, da Royal Horticultural Society. Na França, os grandes chefs fazem das tripas coração para ganhar estrelas no guia Michelin. O quente nesta Ilha é merecer uma medalha  no evento de maior pedigree, o preferido da família real.



As roseiras despertam na primavera


 Os expositores montam jardins de todo tipo: minimalistas, românticos e por aí vai. A feira lança as tendências para o ano seguinte. As plantas e os estilos que vão estar na moda. O que vai vender nas floriculturas.Na rabeira das grandes exposições, apresentadores jardineiros ensinam técnicas de jardinagem e mostram os jardins mais bonitos do país.



Polesden Lacey - arquivo pessoal









Os parques e jardins do Reino Unido atraem uma legião de visitantes, mais da metade dos turistas de fora visitam as áreas verdes desta Ilha. Em Londres, o Kew Gardens ganhou o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Tem a maior coleção de plantas do planeta. São mais de sete mil espécies. O jardim botânico foi fundado em 1840 e é mesmo imperdível.

                            


Uma vez fomos ao Kew Gardens ver a maior flor do mundo, tem mais de três metros de altura e é muito voluntariosa: só abre quando quer e ninguém sabe quando isso vai acontecer. Tinha o nome sugestivo de AMORPHOPHALLUS TITANIUM e era muito tinhosa. Só ficava aberta durante poucos dias. Enfrentamos uma fila considerável e quando ficamos frente a frente com aquela bitelona da botânica, ela já não estava mais ereta.









O Kew Gardens pode ser o mais famoso, mas o Eden Project, na Cornualha, não fica atrás. Na chegada, o visitante pode achar que errou de endereço. São muitos estacionamentos e o lugar fica lotado de famílias nas férias. Parece mais com um daqueles parques temáticos com montanhas russas. O Eden Project até que tem uma tirolesa de 740 metros, que pode dar um frio na barriga, mas o grande atrativo são os prédios e as duas estufas gigantescas, as biosferas, com visual futurista. E as plantas. O parque foi criado na área onde antes ficava uma pedreira. É um programa educativo sem ser chato.










Biosfera Tropical - arquivo pessoal


 


 
A paixão por cultivar plantas é evidente nos allotments. São lotes medidos em ‘nods’ uma unidade de medida da época dos anglo-saxões. Para quem já pena com as polegadas e pés, 'nods' é grego. Mas em geral os allotments são lotes de 250 metros quadrados que as prefeituras locais alugam para os contribuintes. O aluguel vale o tempo que o ‘inquilino’ desejar. A fila para conseguir um pedacinho de terra é de anos. Tenho a sorte de ter um vizinho do dedo verde, que cuida de dois allotments. Ele abastece a nossa casa no verão com verduras, frutas vermelhas e legumes.







A fartura mora ao lado - arquivo pessoal






 O Reino Unido tem vinte e dois milhões de jardins domésticos. As pessoas mais jovens gastam mais tempo fazendo churrasco do que plantando em seus quintais. A paixão pelas plantas em geral ganha um gás entre os quarentões e cinquentões, que são felizes proprietários da casa própria.


Assim como minha tia Clara, mesmo depois de mais de uma década morando por aqui, ainda rebolo para entender os costumes locais. Prefiro apreciar um jardim bonito a arrancar erva daninha. Mas pelo menos aprendi um nome para impressionar: Lamprocapnos spectabilis. Uma plantinha com uns corações dependurados, que apesar da minha falta de jeito, renasce todo ano no quintal de casa.






Lamprocapnos spectabilis - arquivo pessoal