O ‘Papa’ da Grã-Bretanha é o Arcebispo de
Canterbury, Justin Welby. Ele é o líder espiritual de 80 milhões de fiéis. O
Papa Francisco lidera um rebanho de mais ou menos 1.2 bilhão de almas. Ao
contrário de seu colega de Roma, o ‘Papa’ anglicano não adotou, e nem poderia,
o nome de um santo católico. Que eu saiba, ele não distribuiu suas economias
para os pobres, mas sua biografia tem elementos parecidos com a vida de São
Francisco. Se ele é santo ou não, quem é que vai dizer? Pra quem, como eu, acha
esse negócio de santidade enrolado demais, melhor deixar os santos de lado.
Voltando à história do arcebispo de
Canterbury...Do lado paterno, seus antepassados eram judeus alemães que
imigraram para a Inglaterra para escapar do antissemitismo crescente, ainda no
século dezenove. Deram-se muito bem. Assim como Francisco, não o de Roma, mas o
de Assis, dinheiro não era o problema para o jovem Justin. O pai alcoólatra
era. Foi estudar em Eton, o colégio de reis, príncipes, dos rapazes da
monarquia e da elite abastada britânica. Depois seguiu seu curso em Cambridge,
onde estudou Direito e História. Já adulto, virou chefão de uma multinacional
do petróleo e foi viver na França.
Como o Francisco original,
seu jeito de olhar o mundo se transformou depois de um evento trágico. Em 1983,
Welby perdeu a filhinha de sete meses num acidente de carro. Foi o começo da
mudança. Largou o mundo empresarial e entrou de cabeça no mundo espiritual. Não
foi aceito de cara. Um arcebispo teria dito a ele que tinha entrevistado mil
candidatos para a Igreja Anglicana e que Welby era tão ruim, que não estaria
nem entre os mil primeiros colocados. Nunca haveria lugar para ele na Igreja
Anglicana.
Determinado, ele foi estudar
teologia e, ao contrário da profecia do velho arcebispo, teve uma carreira
meteórica no clero anglicano. Sua reputação foi construída graças à capacidade
de mediar conflitos. Conhecedor dos problemas da Nigéria e Quênia, quase foi
baleado num conflito na África. Como seu colega católico, ele também exibe um
viés mais humano - embora não tenha o carisma e tampouco o sangue latino do
papa Francisco. Ele chegou a dizer que às vezes tem dúvidas a respeito da
existência de Deus. E confessou: “a religião pode ou não começar guerras, mas
parece-me óbvio que ela torna alguns conflitos muito mais difíceis de
resolver”.
O cargo de Arcebispo de Canterbury não é
vitalício. Welby é o líder espiritual da Igreja Anglicana desde 2013. Ele foi
escolhido pelo primeiro-ministro e pela rainha a partir de uma lista de dois
candidatos. Casado e pai de cinco filhos, ele tem sua vida pessoal escrutinada
continuamente pela mídia. Uma de suas filhas veio a público falar de seu grave
problema de depressão. A moça casou-se recentemente. O pai celebrou a união.
Como o Papa Francisco, o Arcebispo de
Canterbury enfrenta problemas internos para modernizar sua Igreja. Welby foi
escolhido por sua capacidade de diálogo. Os anglicanos da África são mais
conservadores; contrários à ideia de mulheres bispas e intransigentes na
questão da homossexualidade. Welby já declarou que qualquer objeção bíblica aos
gays é absurda. Francisco disse que ninguém pode julgar os homossexuais.
As opiniões destes dois homens têm
importância mesmo para quem é ateu. Afinal, no mínimo eles são, para usar um
termo da moda, formadores de opinião. As igrejas Católica e Anglicana, embora
tenham a mesma raiz cristã, têm lá suas diferenças, quando nada em escala. O
curioso é que os dois líderes parecem estar rezando pelo mesmo evangelho.
Tendem a encarar a pobreza como um problema social e não como uma falha do
indivíduo. Ou seja, o pobre não é pobre porque lhe faltou competência para ser
rico.
Esta perspectiva fica
evidente num discurso do Papa Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos
Populares no Vaticano essa semana. O pontífice salientou que não se vence “o
escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção, que servem unicamente
para transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos”. E acrescentou: "Quem reduz os pobres à
passividade, Jesus os chamaria de hipócritas”.
No Reino Unido a população
empobreceu nos últimos anos graças à recessão. Instituições religiosas de todas
as denominações organizam bancos de comida com doações aos mais necessitados.
Contudo, Welby tomou um caminho inesperado. Lançou mão de sua bagagem empresarial
para iniciar uma cruzada contra quem lucra, e muito, com a miséria alheia.
Partiu para cima das empresas de crédito. Em bom português, os agiotas
legalizados. A taxa de juros por aqui está num patamar historicamente baixo de
meio por cento. As financeiras, que emprestam dinheiro ‘sem perguntas
constrangedoras’, cobram em média juros de 356%!!!!!!! O céu é o limite, já que não
há regras que estabeleçam um teto. Quem cai nessa armadilha não sai ileso.
A posição de Welby esquentou
o debate. Recentemente o governo determinou que o Wonga, uma das maiores empresas
de crédito do Reino Unido, cancelasse as dívidas de 330 mil clientes. Um
prejuízo de 220 milhões de libras (só pra arredondar a conta, multiplique por 4
para saber que é uma dinheirama em reais). A decisão se baseou na determinação
de que a financeira emprestou dinheiro a quem sabidamente não poderia arcar com
a dívida.
O arcebispo de Canterbury
criou também uma cooperativa de crédito da Igreja. O piloto do programa está em
funcionamento em algumas cidades da Inglaterra. Na prática, é como uma
financeira sem fins lucrativos para ajudar quem não tem como se livrar de
dívidas. O esquema conta com um uma ‘rede bancária’ pronta. O número de igrejas
é maior do que de agências bancárias de qualquer banco.
Estima-se que um milhão de
famílias britânicas recorram aos empréstimos extorsivos para sobreviver até o
fim do mês. O que a Igreja Anglicana está fazendo na Inglaterra, nas palavras
de seu líder, é adotar uma estratégia de ação e não apenas filosófica, no
combate à pobreza. Se vai ou não funcionar, só o tempo dirá.
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