sábado, 1 de novembro de 2014

Bode expiatório





A eleição tomou conta do noticiário no Reino Unido na semana passada. Não a brasileira, nem a boliviana, mas uma pequena votação no sudeste da Inglaterra, num lugar chamado Clacton, em Essex. Imagine que o mapa do Reino Unido se pareça com um coelho assentado visto de lado. Clacton fica do lado direito, logo abaixo do pompom que é o rabo do coelho. Clacton é uma cidade de praia, que foi popular nas décadas de 50 e 60, mas que hoje é decadente e pobre, com um grande número de aposentados e de pessoas desempregadas, que vivem de benefícios do governo.  A eleição nesta pequena localidade de menos de 55 mil habitantes sacudiu a política por aqui.


  O voto no Reino Unido é distrital. O país é dividido em 650 distritos eleitorais. O eleitor vota no parlamentar da sua região. Cada região tem apenas um representante no Parlamento. Fica mais fácil acompanhar o que o parlamentar anda fazendo. O eleitor não escolhe o Primeiro-ministro. Na prática o Primeiro-ministro é o líder do partido com maioria no parlamento. Como nas últimas eleições gerais nenhum partido obteve maioria absoluta, o líder do partido mais votado, Conservador, foi convidado a formar uma coligação.  Essa aliança formada em 2010 ainda repercute na política por aqui.


   Tradicionalmente, o Reino Unido tinha três partidos principais: os dois gigantes, Trabalhista e Conservador e o Liberal-Democrata, que corria por fora. Simplificando bastante a história; o Conservador, como o prórpio nome diz, é mais tradicionalista. Suas políticas sociais são mais conservadoras e as políticas econômicas tendem para o neoliberalismo, apontando para uma participação menor do Estado na economia, redução de impostos e gastos em programas sociais. O partido Trabalhista nasceu nos sindicatos, é mais liberal em questões sociais (aborto, casamento gay, etc). Na economia, defende a participação maior do Estado, investimento em políticas sociais e se o preço é o imposto, que assim seja. Os ‘ Lib-dems’ historicamente estavam mais próximos dos Trabalhistas do que dos Conservadores. Entretanto, desde as últimas eleições gerais, fazem parte da coalizão com os Conservadores. Só a título de comparação, mais ou menos como Marina Silva apoiando Aécio Neves.

  Uma coisa é ser oposição, outra coisa é ser governo. Uma das maiores bandeiras dos ‘Lib-Dems’ era de que os empréstimos aos estudantes universitários não sofreriam cortes (ponto de honra depois dos protestos estudantis, principalmente em Londres em 2010). Na queda de braço que é governar, o liberal Nick Clegg, que é o vice do Primeiro-ministro de David Cameron, saiu perdendo. Seus eleitores nunca perdoaram. Nas últimas eleiçõespara o parlamento europeu, os Lib-dems foram o partido que mais perdeu.

   Enquanto conservadores, trabalhistas e liberais democratas se estapeiam, outro partido se fortalece no Reino, comendo pelas beiradas. O UKIP (UK Independency Party), o partido da Independência, cresce e faz estragos na política interna. Seu líder é um sujeito chamado Nigel Farrage, que adora dar entrevistas em pubs, fazendo a linha popular e que parece uma caricatura saída de uma revista em quadrinhos. O estilo diferente e menos formal apela para as camadas mais conservadoras e xenófobas da sociedade britânica. Ele tem duas únicas ideias: o Reino Unido tem que sair da Comunidade Européia e tem que fechar suas portas para os imigrantes, que roubam os empregos locais e colocam o sistema de saúde sob pressão. Na última notícia que li sobre o Farrage, ele defendia que se negasse a naturalização aos imigrantes HIV positivo.

   O partido da Independência não é grande o suficiente para fazer um primeiro-ministro, mas pressiona os outros partidos, que anunciam políticas que visam restingir a entrada de estrangeiros no país. A temporada anual das convenções partidárias acaba de chegar ao fim. Em seus discursos, todos os líderes de partido, de uma maneira ou de outra, tiveram que dar uma resposta ao crescimento do UKIP.

    A mensagem do UKIP encontra ressonância no setor mais conservador do partido Conservador, que também não gosta da associação com a Comunidade Européia. Um parlamentar conservador chamado Douglas Carswell era um dos descontentes. Ele se desligou de seu partido. Aqui não funciona como no Brasil, onde os políticos mudam de partido quando bem entendem. Carswell foi eleito como representante do partido Conservador, seus eleitores votaram na política de um partido e não necessariamente no parlamentar. Como ele se bandeou para o lado dos Independentes, uma eleição regional foi convocada, para que os eleitores escolhessem seu representante.  Daí a eleição em Clacton.

   A cidade praiana acabou entrando para a história, porque foi lá que pela primeira vez os Independentes elegeram um membro do parlamento. Uma pesquisa publicada essa semana pelo jornal The Guardian aponta para a chance de o UKIP conseguir pelo menos mais cinco assentos na próxima eleição, provavelmente no ano que vem.  Não por acaso, o crescimento deste partido de extrema direita se dá num cenário de vacas magras. Também não é mera coincidência que o maior eleitorado do UKIP esteja entre aposentados e pessoas de baixa renda e baixa escolaridade. Eles acusam os conservadores de não serem conservadores o suficiente para barrarem o ‘perigo’ que vem de fora, tirar a paz e os empregos locais. Também não querem saber dos Trabalhistas. Paradoxalmente porque, via de regra, estão interessados no ganho imediato: preferem a redução de impostos aos benefícios sociais, embora não sobrevivam sem eles. O imigrante, como bode expiatório, cabe direitinho nesta equação. É dele a culpa por todos os problemas econômicos e sociais. 

(15/10/2014)

 

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