A eleição tomou conta do noticiário no Reino Unido na
semana passada. Não a brasileira, nem a boliviana, mas uma pequena votação no
sudeste da Inglaterra, num lugar chamado Clacton, em Essex. Imagine que o mapa
do Reino Unido se pareça com um coelho assentado visto de lado. Clacton fica do
lado direito, logo abaixo do pompom que é o rabo do coelho. Clacton é uma
cidade de praia, que foi popular nas décadas de 50 e 60, mas que hoje é
decadente e pobre, com um grande número de aposentados e de pessoas
desempregadas, que vivem de benefícios do governo. A eleição nesta pequena localidade de menos
de 55 mil habitantes sacudiu a política por aqui.
O voto no Reino
Unido é distrital. O país é dividido em 650 distritos eleitorais. O eleitor
vota no parlamentar da sua região. Cada região tem apenas um representante no
Parlamento. Fica mais fácil acompanhar o que o parlamentar anda fazendo. O
eleitor não escolhe o Primeiro-ministro. Na prática o Primeiro-ministro é o
líder do partido com maioria no parlamento. Como nas últimas eleições gerais
nenhum partido obteve maioria absoluta, o
líder do partido mais votado, Conservador, foi convidado a formar uma
coligação. Essa aliança formada em 2010
ainda repercute na política por aqui.
Tradicionalmente, o Reino Unido tinha três
partidos principais: os dois gigantes, Trabalhista e Conservador e o
Liberal-Democrata, que corria por fora. Simplificando bastante a história; o
Conservador, como o prórpio nome diz, é mais tradicionalista. Suas políticas
sociais são mais conservadoras e as políticas econômicas tendem para o
neoliberalismo, apontando para uma participação menor do Estado na economia,
redução de impostos e gastos em programas sociais. O partido Trabalhista nasceu
nos sindicatos, é mais liberal em questões sociais (aborto, casamento gay,
etc). Na economia, defende a participação maior do Estado, investimento em
políticas sociais e se o preço é o imposto, que assim seja. Os ‘ Lib-dems’
historicamente estavam mais próximos dos Trabalhistas do que dos Conservadores.
Entretanto, desde as últimas eleições gerais, fazem parte da coalizão com os
Conservadores. Só a título de comparação, mais ou menos como Marina Silva
apoiando Aécio Neves.
Uma coisa é ser oposição, outra coisa é ser
governo. Uma das maiores bandeiras dos ‘Lib-Dems’ era de que os empréstimos aos
estudantes universitários não sofreriam cortes (ponto de honra depois dos
protestos estudantis, principalmente em Londres em 2010). Na queda de braço que
é governar, o liberal Nick Clegg, que é o vice do Primeiro-ministro de David
Cameron, saiu perdendo. Seus eleitores nunca perdoaram. Nas últimas
eleiçõespara o parlamento europeu, os Lib-dems foram o partido que mais perdeu.
Enquanto conservadores, trabalhistas e
liberais democratas se estapeiam, outro partido se fortalece no Reino, comendo
pelas beiradas. O UKIP (UK Independency Party), o partido da Independência, cresce e
faz estragos na política interna. Seu líder é um sujeito chamado Nigel Farrage,
que adora dar entrevistas em pubs, fazendo a linha popular e que parece uma
caricatura saída de uma revista em quadrinhos. O estilo diferente e menos
formal apela para as camadas mais conservadoras e xenófobas da sociedade
britânica. Ele tem duas únicas ideias: o Reino Unido tem que sair da Comunidade
Européia e tem que fechar suas portas para os imigrantes, que roubam os
empregos locais e colocam o sistema de saúde sob pressão. Na última notícia que
li sobre o Farrage, ele defendia que se negasse a naturalização aos imigrantes
HIV positivo.
O partido da Independência não é grande o
suficiente para fazer um primeiro-ministro, mas pressiona os outros partidos,
que anunciam políticas que visam restingir a entrada de estrangeiros no país. A
temporada anual das convenções partidárias acaba de chegar ao fim. Em seus
discursos, todos os líderes de partido, de uma maneira ou de outra, tiveram que
dar uma resposta ao crescimento do UKIP.
A mensagem do UKIP encontra
ressonância no setor mais conservador do partido Conservador, que também não
gosta da associação com a Comunidade Européia. Um parlamentar conservador
chamado Douglas
Carswell era um dos descontentes. Ele se desligou de seu partido. Aqui não
funciona como no Brasil, onde os políticos mudam de partido quando bem
entendem. Carswell foi eleito como representante do partido Conservador, seus
eleitores votaram na política de um partido e não necessariamente no
parlamentar. Como ele se bandeou para o lado dos Independentes, uma eleição
regional foi convocada, para que os eleitores escolhessem seu
representante. Daí a eleição em Clacton.
A cidade praiana
acabou entrando para a história, porque foi lá que pela primeira vez os
Independentes elegeram um membro do parlamento. Uma pesquisa publicada essa
semana pelo jornal The Guardian aponta para a chance de o UKIP conseguir pelo
menos mais cinco assentos na próxima eleição, provavelmente no ano que
vem. Não por acaso, o crescimento deste
partido de extrema direita se dá num cenário de vacas magras. Também não é mera
coincidência que o maior eleitorado do UKIP esteja entre aposentados e pessoas
de baixa renda e baixa escolaridade. Eles acusam os conservadores de não serem
conservadores o suficiente para barrarem o ‘perigo’ que vem de fora, tirar a
paz e os empregos locais. Também não querem saber dos Trabalhistas.
Paradoxalmente porque, via de regra, estão interessados no ganho imediato:
preferem a redução de impostos aos benefícios sociais, embora não sobrevivam
sem eles. O imigrante, como bode expiatório, cabe direitinho nesta equação. É
dele a culpa por todos os problemas econômicos e sociais.
(15/10/2014)
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