quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Governo Caça Gazeteiros



Sabe uma coisa que não se vê nas ruas inglesas entre nove da manhã e três da tarde? Crianças em idade escolar. Como aqui não existe turno da manhã e turno da tarde, todas vão para a escola na mesma hora.

 

O colégio da minha filha teve um ‘inset day’ (um dia sem aulas em que os professores se reúnem para planejar e discutir estratégias) no meio de uma semana qualquer, quando todas as outras escolas funcionavam normalmente. Fomos fazer compras e três pessoas fizeram comentários do tipo: matando aula, hein! Que sortuda. Eu quase me vi na ridícula situação de ter que justificar para estranhos a presença dela na rua em dia de aula.

 

No segundo semestre, todos os anos os partidos políticos realizam suas convenções. Esta é a semana do partido conservador, atualmente no poder. As convenções são importantes para saber o rumo que cada partido anda tomando, suas políticas e observar quem sobe e quem desce no jogo político. A imigração foi um tema polêmico como era de se esperar. Mas os gazeteiros e suas famílias também estiveram no centro das discussões.

 

Desde de 2013, o governo vem apertando o cerco aos gazeteiros. Não é raro por aqui ver famílias que marcam viagens de férias para o exterior em período de aula. Dá até para entender. Os pacotes são três vezes mais baratos. Para acabar com o oba-oba, as escolas agora emitem uma multa de £60 libras (cerca de R$360) para as ausências não autorizadas. Os pais têm vinte e um dias para pagar a multa. Depois de 28 dias, o valor dobra e, se não for pago, o caso vai parar nos tribunais.
 


Frequência escolar importa diz o cartaz

 

Matar aula, é óbvio, tem um impacto no aprendizado. Entre os adolescentes, que faltam mais de 28 dias de aula por ano, menos de 17% atingem o nível esperado de inglês ao final do segundo grau. Entre os que não perdem aulas, este número sobe para 44%.




 

No ano passado, 16.430 casos de ‘ausência não autorizada’ foram parar nos tribunais. Pouco mais de nove mil tiveram que pagar multas. O governo anunciou esta semana que se as famílias de baixa renda não puderem pagar as penalidades, o valor será descontado do ‘child benefit’, o bolsa família deles. Associações de professores reclamaram que a medida vai colocar ainda mais pressão nas famílias pobres, que dependem do dinheiro para sobreviver. Mas o primeiro-ministro David Cameron não arredou o pé. Para ele, é simples: certifiquem-se de que seus filhos compareçam às aulas e evitem a multa.

 

Em 2013, Claudia Ward, uma mãe solteira de seis filhos foi condenada a vinte semanas de prisão, porque seus filhos não iam a escola. Ela deixava que as crianças escolhessem quando e se queriam ir, porque achava que escola era entediante e que eles aprenderiam mais brincando na praia ou passeando pela floresta. Depois de passar um tempo na cadeia, longe dos filhos, ela deu uma entrevista dizendo que tinha errado.

 

Tem um elemento nesta história que ninguém gosta de falar abertamente, porque soa politicamente incorreto. Mas as estatísticas revelam que os maiores gazeteiros não são os que saem de férias em pleno período escolar. São os que recebem merenda de graça nas escolas (benefício dado às famílias de baixa renda). Educação é fundamental para quebrar esse ciclo de pobreza. Comparecer às aulas é o primeiro passo. Não há o que se discutir.

 



 

O problema é que as vezes o que parece ser  preto no branco não é tão simples assim. Muitos pais se revoltaram com o endurecimento nas regras que punem os gazeteiros. Levar o filho de férias durante uma semana não vai tornar ninguém burro, vai? Existem fóruns e mais fóruns na internet sobre o assunto. Teve o caso de uma família que recebeu uma multa porque o filho perdeu alguns dias de aula para comparecer ao casamento da própria mãe, em outra cidade. Teve a história de um militar que nunca tinha tido umas férias com o filho de nove anos, porque o exército não o liberava no período das férias escolares. Ele levou a família para o exterior num pacote turístico de uma semana e foi surpreendido com a multa, quando chegou em casa. Entrou com uma apelação e perdeu o processo.

 

Semana passada ganhou as manchetes o caso de um menino de nove anos que perdeu muitos dias de aula depois da morte do pai. O pai foi atropelado por um motorista bêbado, enquanto andava de bicicleta. A administração regional ameaçou levar a mãe do garoto a julgamento. Ela disse que o menino não estava matando aula e sim, que estava de luto pelo pai. Foi um bafafá nas redes sociais e o caso contra a mãe acabou sendo cancelado.

 

Falta de bom senso, né?  O tal do bom senso é a coisa mais relativa que existe. A lei tem que valer para todos. Ou não?  Faz uns anos, minha filha participou de uma colônia de férias no Brasil. No último dia ela chegou atrasada. As crianças estavam saindo da piscina para fazerem outra atividade. Ela chorou porque queria nadar. O monitor do grupo chamou outro rapaz e disse: "leve essas crianças para a outra atividade. Eu vou em seguida." Depois disse para os meus sobrinhos, que estavam lá, que eles poderiam ficar mais um pouco, para nadar com a prima. Ele havia resolvido o problema da minha filha, sem o menor drama. Ninguém reclamou. Simples assim. Depois de anos vivendo aqui, fiquei comovida com a gentileza dele. Se fosse nesta Ilha, não teria negociação. Ela tinha chegado atrasada e não deveria criar problemas.
 
 Pode ‘a lei é para todos’ conviver com o ‘bom senso’? Isso é o começo da corrupção? Ou é o começo de um mundo chato?

 

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