Meses depois de
desembarcar na Inglaterra, um dia me vi conversando com um rapaz brasileiro na
rua. Não me lembro do contexto ou de como começamos a conversar. O papo durou dois
quarteirões e terminou com dois beijinhos na bochecha. Não vi nada de mais, não
achei que ele tivesse segundas ou terceiras intenções. Foi um tchau. Acho que
nenhum estranho me deu um beijo na rua no Brasil, mas aquele dia na Queens Road
me pareceu a coisa mais natural do mundo. Me dei conta de que estava sentindo
saudade da espontaneidade brasileira.
Entender que diferenças
culturais existem não as tornam necessariamente mais fáceis de assimilar. Esse é um dos muitos dilemas que o imigrante encontra no novo
país. A falta de contato físico nas relações sociais aqui na Ilha ilustra bem o
ponto para mim.
Já perdi a conta de quantas vezes fui
convidada para jantar na casa de um ou outro colega de trabalho do meu marido. Alguns
deles são muito agradáveis. A conversa flui sem problemas. Aí chega a hora das
despedidas. Os anfitriões nos guiam até a porta da frente. Rola uma conversinha
mole, para despistar o desconforto geral. Os donos da casa não podem dar pinta
de que querem se livrar dos convidados e os convidados por sua vez não devem
demonstrar pressa de ir embora. E então se diz adeus, sem nenhum abraço, beijos
(no singular ou no plural) ou mesmo um aperto de mão. Nessas horas vejo um
murinho de tijolo e cimento sendo erguido na minha frente em fast foward. Para
mim, não tocá-los sai caríssimo em termos de energia. Que diabos! Um aperto de
mão não arranca pedaço.
Aliás as mãos são as únicas partes do corpo que mulheres e homens toleram que sejam tocadas por um estranho. Esta é uma das conclusões de um estudo que a Universidade de Oxford acaba de publicar. Os pesquisadores entrevistaram mil e quinhentas pessoas do Reino Unido, Itália, França, Finlândia e Rússia. Adivinhe só: os britânicos são os que menos gostam de contato físico com estranhos.
Trabalho há anos como
voluntária numa escola primária. A primeira vez em que ouvi uma professora
dizer: “keep your hands to yourself” (inglês para " não encoste no
coleguinha"), achei engraçado. Quando notei que a frase era repetida cada
vez que uma criança tocava, digamos o cabelo da outra, comecei a achar que não
tinha graça nenhuma. Por isso não me estranhei, quando li sobre a pesquisa da
Universidade de Oxford.
Um dos coordenadores do
estudo, o professor de psicologia evolutiva Robin Dunbar, acredita que o toque
seja um fenômeno universal, embora apresente modulações diferentes em diversas
culturas. Ele acrescenta que mesmo nesta era de mídias sociais, o contato físico
é fundamental para estabelecer relações e fortalecer laços sociais.
Na mesma escola onde as
crianças não devem encostar umas nas outras, havia um menino de três anos e
meio, que mal falava inglês. Um dia brincando no recreio, ele se machucou e
começou a chorar desconsoladamente. Não pensei duas vezes e pus o menino no
colo. Em seguida, uma professora espavorida se materializou na minha frente,
dizendo para eu botar a criança no chão. Carregar era proibido. Poderia trazer
complicações para a escola.
A mãe do menino, que ganhou colo, veio me procurar na escola. Queria me agradecer. O filho tinha chegado em casa dizendo que eu tinha sido boazinha com ele. Às vezes na hora da despedida dos tais jantares, se me dá na telha, dou uma de brasileira exótica e abraço meus anfitriões. Até hoje não senti que tivesse dado uma bola fora. De duas uma: ou professor Dunbar entende mesmo do assunto, quando diz que o contato físico é fundamental, ou eu ando praticando a arte do autoengano, achando que os ingleses no fundo gostam do jeito latino de ser.
Eu também não ligo e abraço, beijo e digo que no Brasil é assim! Pronto! E eles acabam gostando :)
ResponderExcluirAdoro o seu texto! Beijão pra vcs!
Tenho certeza de que voce da muitos abracos, Clarinha. Beijos para voces tambem.
ExcluirMnha experiencia na Inglaterra eh bem diferente, eu acho que, principalmente entre amigos, sempre rola beijo e abraco e entre profissionais sempre aperto de mao. O meu caso deve ser a excecao vide esta pesquisa da Universidade de Oxford, mas eu de fato nao acho os ingleses NADA frios.
ResponderExcluirObrigada pelo comentario. Eu tambem nao os acho frios,so meio desajeitados em algumas situacoes sociais.Concordo com voce que entre os amigos o contato fisico flui melhor.
ExcluirE claro que isso depende do grupo sobre o qual estamos falando. Nao da para generalizar e dizer que os inlgeses ou os brasileiros sao SEMPRE assim ou assado. De uma maneira geral o texto descreveu bem o 'jeitao' ingles e a maneira latina de lidar com o toque. Texto divertido e informativo. Obrigado Maria Eduarda!
ResponderExcluirObrigada pela leitura e o comentario.
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