quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Não Me Toque



Meses depois de desembarcar na Inglaterra, um dia me vi conversando com um rapaz brasileiro na rua. Não me lembro do contexto ou de como começamos a conversar. O papo durou dois quarteirões e terminou com dois beijinhos na bochecha. Não vi nada de mais, não achei que ele tivesse segundas ou terceiras intenções. Foi um tchau. Acho que nenhum estranho me deu um beijo na rua no Brasil, mas aquele dia na Queens Road me pareceu a coisa mais natural do mundo. Me dei conta de que estava sentindo saudade da espontaneidade brasileira. 


Entender que diferenças culturais existem não as tornam necessariamente mais fáceis de assimilar. Esse é um dos muitos dilemas que o imigrante encontra no novo país. A falta de contato físico nas relações sociais aqui na Ilha ilustra bem o ponto para mim. 


 Já perdi a conta de quantas vezes fui convidada para jantar na casa de um ou outro colega de trabalho do meu marido. Alguns deles são muito agradáveis. A conversa flui sem problemas. Aí chega a hora das despedidas. Os anfitriões nos guiam até a porta da frente. Rola uma conversinha mole, para despistar o desconforto geral. Os donos da casa não podem dar pinta de que querem se livrar dos convidados e os convidados por sua vez não devem demonstrar pressa de ir embora. E então se diz adeus, sem nenhum abraço, beijos (no singular ou no plural) ou mesmo um aperto de mão. Nessas horas vejo um murinho de tijolo e cimento sendo erguido na minha frente em fast foward. Para mim, não toc­á-los sai caríssimo em termos de energia. Que diabos! Um aperto de mão não arranca pedaço. 
 
 
 




Aliás as mãos são as únicas partes do corpo que mulheres e homens toleram que sejam tocadas por um estranho. Esta é uma das conclusões de um estudo que a Universidade de Oxford acaba de publicar. Os pesquisadores entrevistaram mil e quinhentas pessoas do Reino Unido, Itália, França, Finlândia e Rússia. Adivinhe só: os britânicos são os que menos gostam de contato físico com estranhos.
 

Trabalho há anos como voluntária numa escola primária. A primeira vez em que ouvi uma professora dizer: “keep your hands to yourself” (inglês para " não encoste no coleguinha"), achei engraçado. Quando notei que a frase era repetida cada vez que uma criança tocava, digamos o cabelo da outra, comecei a achar que não tinha graça nenhuma. Por isso não me estranhei, quando li sobre a pesquisa da Universidade de Oxford.

 
 
A pesquisa resultou num Body Map (mapa do corpo). As pessoas que tomaram parte no estudo foram convidadas a colorir desenhos do corpo humano.  Ao todo são treze modelos: parceiro, irmãos, amigos, colegas até estranhos. A cor amarela indica as partes em que o toque não incomoda. A preta onde não se deve tocar e as àreas tabu: os órgãos genitais. O estudo revelou algumas coisas interessantes...  Tanto para os homens quanto para as mulheres, não existe zona de exclusão do toque para os parceiros. Mas os homens preferem ser tocados em algumas partes por estranhas mais do que por pessoas da família por exemplo. Ou seja, a titia não pode encostar lá, mas uma estranha numa boate pode. Homem tocando em homem, não vale. Nem mesmo nos pés.



 

Um dos coordenadores do estudo, o professor de psicologia evolutiva Robin Dunbar, acredita que o toque seja um fenômeno universal, embora apresente modulações diferentes em diversas culturas. Ele acrescenta que mesmo nesta era de mídias sociais, o contato físico é fundamental para estabelecer relações e fortalecer laços sociais.

 


 


Na mesma escola onde as crianças não devem encostar umas nas outras, havia um menino de três anos e meio, que mal falava inglês. Um dia brincando no recreio, ele se machucou e começou a chorar desconsoladamente. Não pensei duas vezes e pus o menino no colo. Em seguida, uma professora espavorida se materializou na minha frente, dizendo para eu botar a criança no chão. Carregar era proibido. Poderia trazer complicações para a escola.

 
Num documentário que assisti, uma criança de oito anos parecia perdida num shopping center. A menina era uma atriz, mas ninguém sabia. Uma câmera escondida filmou mais de duzentas pessoas passando batido pela menina. Algumas percebiam que ela estava em apuros, mas não paravam. Só quatro pararam para tentar ajudar a criança, sendo que uma não falou com ela. Procurou um segurança para informar que havia uma garota, que parecia estar precisando de ajuda. O mais interessante foi ver o depoimento daqueles que não pararam para prestar ajuda. Foi uma unanimidade: eles não queriam que alguém pensasse que eles estavam fazendo mal para a criança. O que me leva a pensar que medidas como a de não dar colo para uma criança, que obviamente precisa de um carinho, são para resguardar os adultos e não as crianças. Alguma coisa está muito errada.

 

A mãe do menino, que ganhou colo, veio me procurar na escola. Queria me agradecer. O filho tinha chegado em casa dizendo que eu tinha sido boazinha com ele. Às vezes na hora da despedida dos tais jantares, se me dá na telha, dou uma de brasileira exótica e abraço meus anfitriões. Até hoje não senti que tivesse dado uma bola fora. De duas uma: ou professor Dunbar entende mesmo do assunto, quando diz que o contato físico é fundamental, ou eu ando praticando a arte do autoengano, achando que os ingleses no fundo gostam do jeito latino de ser.



6 comentários:

  1. Eu também não ligo e abraço, beijo e digo que no Brasil é assim! Pronto! E eles acabam gostando :)
    Adoro o seu texto! Beijão pra vcs!

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    1. Tenho certeza de que voce da muitos abracos, Clarinha. Beijos para voces tambem.

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  2. Mnha experiencia na Inglaterra eh bem diferente, eu acho que, principalmente entre amigos, sempre rola beijo e abraco e entre profissionais sempre aperto de mao. O meu caso deve ser a excecao vide esta pesquisa da Universidade de Oxford, mas eu de fato nao acho os ingleses NADA frios.

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    1. Obrigada pelo comentario. Eu tambem nao os acho frios,so meio desajeitados em algumas situacoes sociais.Concordo com voce que entre os amigos o contato fisico flui melhor.

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  3. E claro que isso depende do grupo sobre o qual estamos falando. Nao da para generalizar e dizer que os inlgeses ou os brasileiros sao SEMPRE assim ou assado. De uma maneira geral o texto descreveu bem o 'jeitao' ingles e a maneira latina de lidar com o toque. Texto divertido e informativo. Obrigado Maria Eduarda!

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