Há cinco anos, todo
outono, nós aqui da Ilha ficamos grudados em frente da tevê nas noites de domingo para assistir ao
Downton Abbey, um drama de época que virou sucesso mundial. Não vou estragar a
surpresa para ninguém, mas não faz mal dizer que na série atual Lorde Crawley e
outros da mesma estirpe estão achando difícil manter a criadagem no alvorecer
da Segunda Guerra.
Na vida real, Downton
Abbey é Highclere Castle e fica a cem quilômetros do centro de Londres, em
Newbury. O conde e a condessa de Carnarvon abrem as portas de sua propriedade
para o público sessenta dias por ano. Um negócio pra lá de lucrativo. As excursões
para espiar o modo de vida dos nobres se esgotam rapidamente.
Cliveden - National Trust |
Espalhadas por esta
Ilha estão outras tantas propriedades que guardam o cheiro de outra era. Uma
delas é Cliveden às margens do mesmo Tâmisa que corta Londres ao meio. Cliveden é
espetacular em termos de arquitetura, jardins e história. Nas décadas de 20 e
30 era um polo de encontro de intelectuais. No começo dos anos 60, foi cenário
do Profumo Affair, um escândalo político à la Bill Clinton e Monica Lewinsky,
que mudou a política por aqui. Foi em Cliveden que o conservador John Profumo,
então Ministro da Guerra, viveu dias quentes com uma aspirante a modelo chamada
Christine Keeler, de dezenove anos. Tinha até um espião russo no rolo, em
tempos de guerra fria. O escândalo pavimentou o caminho para vitória do Labour
Party (os trabalhistas) em 1964. Hoje em dia Cliveden pertence ao National Trust (http://mariaeduardajohnston.blogspot.co.uk/2014/11/para-sempre-e-para-todos.html) e
a casa abriga um hotel cinco estrelas, para quem tem a carteira recheada.
A escandalosa Christine Keeler do Profumo Affair |
Cliveden, Highclere
Castle e muitas outras ainda atraem multidões. Na linha da filosofia-Joãzinho-trintense,
talvez seja porque pobre gosta mesmo é de luxo. Ou quem sabe, os ingleses sejam
encantados por história. Seja lá como for, esses lugares preservam narrativas
de um tempo que não existe mais.
Será?
David Cameron está em
seu segundo mandato. No primeiro, seu partido Conservador, apelidado aqui de
Tories, governou em conjunto com os Liberais-Democratas, num governo de coalizão.
Agora que está com a faca e o queijo na mão, já que foi reeleito com maioria no
Parlamento, anda descendo o facão a torto e a direito. À direita também. Essa
semana está sendo muito intensa na política aqui da Ilha.
O Parlamento é dividido
em duas casas: a dos Comuns (parlamentares eleitos, semelhante à Câmera
Federal) e a dos Lordes (783 no total, sendo que 670 são vitalícios e nenhum é
eleito pelo povo). Os Comuns aprovaram uma espécie de reforma fiscal que
diminui os benefícios de muitas famílias. Três milhões delas para ser mais
exato. Os Lordes barraram o projeto, que vai ser adiado. Foi a primeira vez em cem
anos que a Casa dos Lordes bateu de frente com os Comuns, numa matéria que
envolve o orçamento. O que o governo, depois da traulitada, está chamando de Crise Constitucional.
Em 2003, o governo dos
Trabalhistas aprovou uma série de incentivos fiscais para famílias de baixa
renda. O atual governo quer cortar esses incentivos, como parte de um pacote
para equilibrar as contas públicas. O primeiro-ministro e sua equipe econômica
afirmam que essas famílias não serão prejudicadas, porque o salário mínimo vai
subir. Mas o IFS (Institute of Fiscal Studies), uma entidade independente de
pesquisa, diz que não é exatamente assim e que os mais pobres, como sempre, vão
ter que pagar a conta.
Cameron e seu time mais
próximo são frequentemente acusados na Imprensa de fazerem parte de um grupo
seleto de pessoas que já nasceram muito ricas, estudaram em escolas
particulares e que, portanto, são dissociadas da realidade dos trabalhadores e
daqueles que vivem de benefícios sociais.
É inegável que do ponto
de vista econômico é preciso pôr a casa em ordem, para a bomba não estourar lá
na frente. Existe mais de uma maneira de se fazer isso. Durante a campanha
eleitoral, a oposição propôs um imposto mansão para casas avaliadas em mais de
um milhão de libras (além do IPTU deles). A proposta era controversa, mas não
importa mais porque ficou no plano das ideias. Há os que defendam impostos
sobre grandes fortunas e aumentar o imposto sobre as heranças. Nenhuma proposta
é agradável, popular ou sem custo político. E o debate está mais quente do que
nunca.
Foi neste contexto, que
a revista Country Life publicou esta semana um artigo indispensável com 39 dicas para se
tornar um verdadeiro gentleman – um legítimo cavalheiro inglês. Tome nota aí.
Um gentleman...
1) Evita usar meia lilás com sapato engraxado
2) Não bate a porta na cara de ninguém
3) Não é vegetariano
4) Sabe velejar e cavalgar
5) Sabe desabotoar um sutiã com uma mão só
6) Não beija e sai contando que beijou
7) Não viaja para Porto Rico (????????????????????)
8) Leu ‘Orgulho e Preconceito’ de Jane Austen
9) Nunca seca o cabelo com secador
10) Desliga o
celular no restaurante
11) Demonstra que
fazer amor não é nem uma corrida e tampouco uma competição
12) Sandálias?
Jamais!
13) Nunca é dono de
um Chihuahua
14) Carrega as
bagagens dos hóspedes de sua casa
15) Dá gorjeta aos
funcionários das mansões onde se hospeda
16) Canta os hinos
religiosos a plenos pulmões na igreja
17) Termina um
relacionamento cara a cara
18) É capaz de
treinar tanto um cão quanto uma rosa ...
Não vou traduzir a
lista inteira. Já deu para entender o espírito, né? Oscar Wilde disse certa vez
que um gentleman nunca insulta alguém sem querer. Ah, esse humor britânico...
O tempo das grandes
mansões com um pequeno exército de empregados pode ter ficado no passado. Mas
ao que tudo indica, a distância entre a cozinha e os salões continua grande.
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