quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cameron mãos de tesoura e a liga dos Gentlemen


 

Há cinco anos, todo outono, nós aqui da Ilha ficamos grudados em frente da tevê nas noites de domingo para assistir ao Downton Abbey, um drama de época que virou sucesso mundial. Não vou estragar a surpresa para ninguém, mas não faz mal dizer que na série atual Lorde Crawley e outros da mesma estirpe estão achando difícil manter a criadagem no alvorecer da Segunda Guerra.
 



 

Na vida real, Downton Abbey é Highclere Castle e fica a cem quilômetros do centro de Londres, em Newbury. O conde e a condessa de Carnarvon abrem as portas de sua propriedade para o público sessenta dias por ano. Um negócio pra lá de lucrativo. As excursões para espiar o modo de vida dos nobres se esgotam rapidamente.
 
 
Cliveden - National Trust
 
 

Espalhadas por esta Ilha estão outras tantas propriedades que guardam o cheiro de outra era. Uma delas é Cliveden às margens do mesmo Tâmisa que corta Londres ao meio. Cliveden é espetacular em termos de arquitetura, jardins e história. Nas décadas de 20 e 30 era um polo de encontro de intelectuais. No começo dos anos 60, foi cenário do Profumo Affair, um escândalo político à la Bill Clinton e Monica Lewinsky, que mudou a política por aqui. Foi em Cliveden que o conservador John Profumo, então Ministro da Guerra, viveu dias quentes com uma aspirante a modelo chamada Christine Keeler, de dezenove anos. Tinha até um espião russo no rolo, em tempos de guerra fria. O escândalo pavimentou o caminho para vitória do Labour Party (os trabalhistas) em 1964. Hoje em dia Cliveden pertence ao National Trust (http://mariaeduardajohnston.blogspot.co.uk/2014/11/para-sempre-e-para-todos.html) e a casa abriga um hotel cinco estrelas, para quem tem a carteira recheada.

 
A escandalosa Christine Keeler do Profumo Affair
 

  


Cliveden, Highclere Castle e muitas outras ainda atraem multidões. Na linha da filosofia-Joãzinho-trintense, talvez seja porque pobre gosta mesmo é de luxo. Ou quem sabe, os ingleses sejam encantados por história. Seja lá como for, esses lugares preservam narrativas de um tempo que não existe mais.



Será?



David Cameron está em seu segundo mandato. No primeiro, seu partido Conservador, apelidado aqui de Tories, governou em conjunto com os Liberais-Democratas, num governo de coalizão. Agora que está com a faca e o queijo na mão, já que foi reeleito com maioria no Parlamento, anda descendo o facão a torto e a direito. À direita também. Essa semana está sendo muito intensa na política aqui da Ilha.
 
Casa dos Lordes
 

 
O Parlamento é dividido em duas casas: a dos Comuns (parlamentares eleitos, semelhante à Câmera Federal) e a dos Lordes (783 no total, sendo que 670 são vitalícios e nenhum é eleito pelo povo). Os Comuns aprovaram uma espécie de reforma fiscal que diminui os benefícios de muitas famílias. Três milhões delas para ser mais exato. Os Lordes barraram o projeto, que vai ser adiado. Foi a primeira vez em cem anos que a Casa dos Lordes bateu de frente com os Comuns, numa matéria que envolve o orçamento. O que o governo, depois da traulitada, está chamando de Crise Constitucional.
 
Em 2003, o governo dos Trabalhistas aprovou uma série de incentivos fiscais para famílias de baixa renda. O atual governo quer cortar esses incentivos, como parte de um pacote para equilibrar as contas públicas. O primeiro-ministro e sua equipe econômica afirmam que essas famílias não serão prejudicadas, porque o salário mínimo vai subir. Mas o IFS (Institute of Fiscal Studies), uma entidade independente de pesquisa, diz que não é exatamente assim e que os mais pobres, como sempre, vão ter que pagar a conta.
 
Cameron e seu time mais próximo são frequentemente acusados na Imprensa de fazerem parte de um grupo seleto de pessoas que já nasceram muito ricas, estudaram em escolas particulares e que, portanto, são dissociadas da realidade dos trabalhadores e daqueles que vivem de benefícios sociais.
 
É inegável que do ponto de vista econômico é preciso pôr a casa em ordem, para a bomba não estourar lá na frente. Existe mais de uma maneira de se fazer isso. Durante a campanha eleitoral, a oposição propôs um imposto mansão para casas avaliadas em mais de um milhão de libras (além do IPTU deles). A proposta era controversa, mas não importa mais porque ficou no plano das ideias. Há os que defendam impostos sobre grandes fortunas e aumentar o imposto sobre as heranças. Nenhuma proposta é agradável, popular ou sem custo político. E o debate está mais quente do que nunca.
  
 

  
Foi neste contexto, que a revista Country Life publicou esta semana um artigo indispensável com 39 dicas para se tornar um verdadeiro gentleman – um legítimo cavalheiro inglês. Tome nota aí. Um gentleman...
 
1)    Evita usar meia lilás com sapato engraxado
2)    Não bate a porta na cara de ninguém
3)    Não é vegetariano
4)    Sabe velejar e cavalgar
5)    Sabe desabotoar um sutiã com uma mão só
6)    Não beija e sai contando que beijou
7)    Não viaja para Porto Rico (????????????????????)
8)    Leu ‘Orgulho e Preconceito’ de Jane Austen
9)    Nunca seca o cabelo com secador
10)  Desliga o celular no restaurante
11)  Demonstra que fazer amor não é nem uma corrida e tampouco uma competição
12)  Sandálias? Jamais!
13)  Nunca é dono de um Chihuahua
14)  Carrega as bagagens dos hóspedes de sua casa
15)  Dá gorjeta aos funcionários das mansões onde se hospeda
16)  Canta os hinos religiosos a plenos pulmões na igreja
17)  Termina um relacionamento cara a cara
18)  É capaz de treinar tanto um cão quanto uma rosa ...
 
 

Não vou traduzir a lista inteira. Já deu para entender o espírito, né? Oscar Wilde disse certa vez que um gentleman nunca insulta alguém sem querer. Ah, esse humor britânico...

O tempo das grandes mansões com um pequeno exército de empregados pode ter ficado no passado. Mas ao que tudo indica, a distância entre a cozinha e os salões continua grande.
 

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