Aquele, você sabe quem.
Ou, aquele que não se pode dizer o nome: Lorde Voldemort. Ele é o arquirrival de
Harry Potter e de todos os bruxos do bem. É um personagem feio, soturno,
traiçoeiro, cruel. O vilão perfeito. Voldemort simboliza tudo o que existe de
mal. Por isso, melhor não falar o nome dele.
Longe da ficção, um
outro vilão muito real é tão assustador, que algumas pessoas preferem não chamá-lo pelo
nome. Em inglês, frequentemente se referem a ele como o “Big C”, um “C”
maiúsculo: Câncer. Uma palavra que muita gente prefere não dizer, que é para
não atrair coisa ruim.
The Big "C" |
No mesmo hospital em
que nasci, um tio da minha mãe estava internado. Ele acreditava que tinha
câncer. Como era velho e solteiro, decidiu que não queria dar trabalho para
ninguém. Tirou a própria vida antes de deixar o hospital. Já se vão quase cinco
décadas, os tratamentos melhoraram bastante, mas câncer ainda é um assunto que
muita gente evita, porque, assim como o Voldemort, é assustador demais.
Outubro é oficialmente
o mês de chamar atenção para o câncer de mama. Aqui na Ilha é o mês cor de
rosa. Não é à toa. Uma em cada oito mulheres vai ter câncer de mama, mais cedo
ou mais tarde. Nós estamos vivendo mais, mas a um custo: nossas células
envelhecem e os casos de câncer aumentam. A doença atinge uma em cada três
pessoas em algum ponto da vida. Então é melhor começarmos a encarar esse vilão
de frente.
Foi o que fez a jornalista
e apresentadora da BBC, Victoria Derbyshire, de 47 anos. Em julho, ela foi
diagnosticada com câncer de mama. Resolveu fazer um vídeo diário de seu
tratamento. No dia 24 de setembro, passou por uma mastectomia. Essa semana, ela
divulgou o clipe que gravou assim que voltou para o quarto depois da operação.
Num cartaz escrito a mão, ela diz: “esta manhã eu tinha câncer. Esta noite não
tenho mais”. Ela aparece maquiada e composta nos vídeos, como se tivesse
acabado de dar um upgrade no silicone (se é que alguém sai assim tão ileso de
uma cirurgia plástica). A mensagem de Victoria é que câncer não tem e nem
precisa ser um bicho de sete cabeças. A jornalista afirma que a experiência de
cada um ao lidar com a doença é pessoal, mas que ela não se sente travando uma
batalha contra o câncer e sim se tratando de uma doença. Dá a impressão de
estar em controle da situação.
Desmistificar a doença
e fazer com que as pessoas possam encarar o câncer de uma forma diferente é
louvável. Os vídeos foram o mecanismo que a jornalista da BBC encontrou para
lidar com o tumor e suas consequências. Se está fazendo bem a ela, meus
parabéns. Entretanto, esse tipo de mensagem me incomoda, porque passa a ideia
de um passeio ensolarado num parque florido. O que um câncer definitivamente
não é.
Como a jornalista da
BBC, eu também não encarei a doença como uma cruzada. Aos 33 anos, recebi o
diagnóstico de câncer de intestino. O tratamento envolveu uma cirurgia e seis
meses de quimioterapia. Qualquer bocó com dois neurônios operantes sabe que na
vida não há garantias de nada. Mas quando a gente descobre que tem uma doença
potencialmente fatal, essa vivência é dolorida. Ninguém garante a cura. Nos damos conta de que não temos sequer o controle sobre nossas próprias
células. A vida, que é o bem
mais precioso que cada um de nós tem, de repente se torna mais especial. E, se
não nos permitirmos ter medo, dúvidas e dias ruins, essa caminhada fica pesada
demais.
Aqui na Ilha existem
várias instituições de caridade empenhadas em tornar essa jornada mais
tranquila para os pacientes e suas famílias. Outro dia mesmo, participei de um
café-da-manhã para levantar fundos para a Macmillan Cancer Support, uma
instituição que existe desde 1911 e batalha para que ninguém tenha que
enfrentar o câncer sozinho. Só no ano passado, eles receberam £25 milhões em
doações (cerca de R$150 milhões).
Mas sem dúvida o Cancer
Research UK é a maior instituição de caridade do setor. É muito comum ver as lojas
do Cancer Research nas ruas de comércio de muitas cidades. São brechós, onde se
encontra de roupa a brinquedos, passando por louças e pequenas peças de
decoração. Tudo de segunda mão. Tudo para arrecadar fundos. A instituição acaba
de anunciar uma bolsa de £100 milhões ( cerca de R$600 milhões) para financiar pesquisas
de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer. Essa dinheirama não surge do
nada. São 40 mil voluntários fixos e membros da sociedade que se organizam para
levantar fundos.
A brasileira Eugenia
Andreadis, que mora há 22 anos na Inglaterra, admira o hábito inglês de angariar
fundos para instituições de caridades. Eugenia perdeu a mãe, vários parentes e
amigos para o câncer e decidiu que gostaria de ajudar a encontrar uma cura para
a doença. Ela organiza há três anos um grupo de brasileiras que participa
do ‘Race for Life’ do ‘Cancer Research UK’. É um trabalho de formiguinha, mas
felizmente esse formigueiro é grande.
Race for Life - Corrida pela vida |
Não faz muito tempo,
quimioterapia era praticamente remédio de matar rato. As descobertas na genética,
o investimento em biomedicina e muita pesquisa têm mudado o tratamento. As boas
notícias são mais comuns. Vive-se mais, tolera-se o tratamento melhor.
Câncer pode até não ser uma batalha pessoal, mas ele é sim um desafio mundial. Apesar das conquistas, a expectativa é de que, nas próximas duas décadas, o número de novos casos da doença aumente 70%. Mais de 60% deles na África, Ásia, América Central e América do Sul. Fazer de conta que o câncer não existe para ver se ele vai embora, não vai dar.
Câncer pode até não ser uma batalha pessoal, mas ele é sim um desafio mundial. Apesar das conquistas, a expectativa é de que, nas próximas duas décadas, o número de novos casos da doença aumente 70%. Mais de 60% deles na África, Ásia, América Central e América do Sul. Fazer de conta que o câncer não existe para ver se ele vai embora, não vai dar.
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