Minha filha
tem duas amigas mais próximas na escola, ‘Daisy’ e ‘Elizabeth’. Resolvi mudar
os nomes, por uma questão de privacidade. O pai de Daisy está desempregado. A
mãe trabalha dois dias por semana numa loja. Eles dependem de uma ajuda do
governo para fechar as contas no fim do mês e vivem num ‘council flat’, uma
espécie de moradia social, subsidiada pela administração regional do bairro. A
três quarteirões do prédio de Daisy, vive Elizabeth, numa casa avaliada em um
milhão de libras (quatro milhões de reais). O bom é que ambas frequentam a
mesma escola e são tratadas do mesmo jeito pelos professores e colegas.
A avó de Daisy é um ano mais nova do que o pai
de Elizabeth. Um fato que as meninas acham engraçadíssimo. Nem a avó de uma e
nem o pai da outra são idosos, embora quando se tem dez anos, qualquer um com
mais de trinta é velho. As histórias
dessas duas famílias são emblemáticas. Ilustram bem o que acontece por aqui e
em muitos outros lugares. Nas regiões mais pobres, a gravidez na adolescência é
maior do que em outras áreas, onde o número de casais que têm o primeiro filho
perto dos quarenta anos é maior.
Desde que
vim morar na Inglaterra, há mais de dez anos, escuto falar que a gravidez na
adolescência é altíssima nesta ilha, porque as meninas ganham casa e são
sustentadas pelo governo. Entretanto, uma notícia essa semana virou esse disco
arranhado. Trouxe uma novidade: o número de jovens menores de dezoito anos, que
engravidaram na Inglaterra e País de Gales, caiu pela metade nos últimos quinze
anos. É o menor desde 1969, data do primeiro registro. As estatísticas, no
entanto, revelam que a maior incidência de gravidez na adolescência ainda está
concentrada nas áreas mais pobres do país.
A jornalista
e comentarista Deborah Orr, do jornal ‘The Guardian’, que tem uma linha
editorial mais de esquerda, credita a diminuição do número de adolescentes
grávidas às mudanças na sociedade. Para ela, a versão de que as moças
engravidavam de propósito, para serem sustentadas pelo Estado, é simplista e
falha ao enxergar o contexto social. A jornalista argumenta que a discriminação
que as mães solteiras sofriam caiu radicalmente depois da revolução sexual dos
anos 70 e durante os anos 80. O que restou foi a ideia que estava na base do
preconceito; a concepção de que o valor da mulher estava somente na maternidade e no
lar. Principalmente para as moças pobres, com menos chances de conseguir um bom
emprego, a maternidade era a única vida que elas vislumbravam. Então, por que
adiar o inevitável? Aos poucos, graças
aos investimentos em educação, elas foram percebendo o ônus de uma gravidez
precoce.
Educação é,
de fato, uma palavra-chave. A queda do número de adolescentes grávidas coincide
com um maior investimento nas meninas. Hoje em dia elas apresentam um
desempenho escolar melhor do que os meninos em todas as áreas do conhecimento,
incluindo as exatas. Existem várias teorias que tentam explicar este fenômeno.
Uma delas é que a escola é um ambiente dominado pelas mulheres, a maior parte
dos professores são mulheres. Os livros e o material didático favoreceriam as
meninas. Outra tese é de que se criou a ideia de que os meninos não são tão bem
sucedidos quanto as meninas, porque são agitados e não se concentram. Na
opinião de um especialista em educação, esta ideia fatalista é determinante do
fracasso escolar dos meninos, já que não se espera muito deles. Se o desempenho
deles não é bom, é apenas mais uma profecia que se cumpre. Eles estão apenas
seguindo um roteiro de expectativas.
Educação em
geral parece ter tido um impacto positivo na redução de gravidez na
adolescência, mas a educação sexual nas escolas merece um papel de destaque
nesta história. O programa começa já com as crianças no jardim de infância.
Tudo muito sutil, fala-se de amor e cuidados com o corpo. Faz parte do
currículo e as crianças nem percebem. Nos três últimos anos da escola primária
(crianças de 9,10 e 11 anos), as aulas se tornam mais óbvias. As crianças
assistem a vídeos, apropriados para a idade delas. Um deles conta a história de
um grupo de meninas e meninos que sai a procura do gato da família e acaba
descobrindo que o gato era uma gata, que teve filhotinhos. Depois eles visitam uma tia que está grávida.
Aos poucos os vídeos introduzem questões como as mudanças corporais e preparam
as crianças para a adolescência.
Mas nem todos os pais estão de acordo com as
aulas. Fui a uma reunião na escola, convocada para discutir o tema e mostrar um
aperitivo dos vídeos. Quando o filme falou de masturbação feminina, sem mostrar
nada explícito e sem dar nomes aos bois, uma das mães ficou irritada. Ela se
mexia na cadeira, olhava para vizinha ao lado e balançava a cabeça como quem
diz não. Assim que o professor perguntou se alguém tinha alguma pergunta, ela fez
seu discurso. Disse que não autorizaria a presença da filha nas aulas e que
isso não era assunto para escola.
Alguns anos
atrás, o chefe-celebridade Jamie Oliver entrou numa campanha para melhorar a
qualidade da merenda escolar. Ele estava preocupado com o que as crianças
comiam na hora do almoço. Como não dá ponto sem nó, fez um documentário sobre o
tema. As escolas, mostradas no programa, introduziram a merenda saudável e
proibiram que as crianças levassem de casa alimentos açucarados e cheios de
gordura saturada. Até hoje me lembro da cena de algumas mães jogando pacotes de
batata frita e chocolates para os filhos por cima da cerca do pátio da escola.
A mãe indignada da reunião de pais me fez pensar nas mulheres do documentário.
Nos dois casos, elas fizeram o que achavam melhor para seus filhos. Se ao menos
a ignorância protegesse nossas crianças...
Virtual Babies |
Na escola secundária, a educação sexual é ainda mais presente. Muitas escolas introduzem o Bebê Virtual como parte do currículo. São bonecas-robôs para que as meninas tenham a oportunidade de ‘praticar’ durante vinte e quatro horas. O bebê virtual chora pra burro, no meio da noite, no meio do dia, como um neném de verdade. A ‘mãe’ tem que trocar a fralda, acalmar o bebê, vesti-lo com a roupa apropriada para o clima e alimentá-lo. Ao contrário de um filho de verdade, o bebê virtual grava tudo. A adolescente e a escola recebem um relatório completo de como foram os cuidados. Além do bebê virtual, existe também um feto virtual, que simula a gravidez e outro bebê, que ao ser sacudido, mostra os danos provocados no cérebro. Tem também o bebê que já nasce viciado em drogas e álcool e sofre síndrome de abstinência e problemas neurológicos.
Não há como negar que os programas educativos tiveram um impacto na redução da gravidez na adolescência, mas a internet pode ter tido sua parcela de responsabilidade também. O doutor Philip Zimbardo é um dos psicólogos mais famosos do mundo. Na década de 70, conduziu um estudo sobre o comportamento de prisioneiros e carcereiros. Com mais de 80 anos dirigiu seu olhar para a internet. Numa palestra do TED em 2011, ele avaliou o impacto da internet no comportamento dos adolescentes.
A palestra é
em inglês, mas a transcrição do texto em português está na http://www.ted.com/talks/zimchallenge?language=en
Zimbardo
parte da premissa de que os jovens passam tempo demais na internet. Estima-se
que um típico rapaz de vinte um anos tenha passado dez mil horas de sua vida
jogando videogame. E aí vai um dado ainda mais assustador: em média os
adolescentes assistem a cinquenta vídeos pornográficos por semana. Ao contrário
do vício das drogas, onde o viciado quer mais da mesma substância, o vício
virtual cria um desejo constante por novidades. Aí é que mora o perigo.
Vários
estudos apontam para um novo fenômeno; o de rapazes que têm medo de intimidade,
simplesmente porque, de tão acostumados com o mundo virtual, já não sabem como
se comportar no mundo real. Não sabem a língua do cara a cara. Imagine juntar
a falta de experiência com a expectativa criada pelos filmes pornôs numa cabeça
cheia de hormônios pululantes. Com medo de falharem, esses adolescentes acabam
adiando o início da vida sexual.
A pressão
que a pornografia exerce sobre os adolescentes, de uma forma totalmente
distorcida, acaba tendo um impacto na redução de gravidez na adolescência, porque
as meninas estão namorando rapazes mais velhos, que são mais maduros quanto à
contracepção e mais focados nos planos a longo prazo.
Com os
rapazes da mesma idade fora do alcance, as moças passam muito tempo nas redes sociais.
Vários tabus podem ter caído desde a revolução sexual, mas a menina namoradeira
ainda hoje é taxada de galinha. No mundo virtual elas se vigiam o tempo todo e
o caldeirão da fofoca borbulha como nunca. Elas têm que ser mais cuidadosas,
porque o escândalo agora é mais público do que nunca e as consequências no
grupo social são maiores.
Este papo todo de internet, mudanças na sociedade e educação é besteira,
dizem os mais céticos. O que mudou realmente foi que o partido Conservador, no
poder desde 2010, cortou a mamata das adolescentes. De fato, o partido
Conservador tem cortado sistematicamente muitos benefícios sociais, como parte
do plano para a retomada de crescimento da economia. Mas o interessante é
que, mesmo durante o governo dos Trabalhistas, o número de gravidez na
adolescência vinha caindo. Se esta tendência de queda se consolidar, quem sabe
Daisy não vá repetir a história da mãe e da avó. Espero que sim. E tomara que o
discurso de Patrícia Arquette, ao receber Oscar de melhor atriz coadjuvante,
seja ouvido. Ela disse que está mais do que na hora das mulheres receberem os
mesmos salários dos homens. Quem sabe assim, mais adolescentes adiem a
maternidade, porque enxergam um futuro melhor.
Olá Maria Eduarda, seu blog é bem interessante!!! Gostaria de saber se você teria interesse em escrever também para o ChaComLeite.com? Caso sim, favor enviar um email para webmaster@chacomleite.com, para que eu possamos acertar os detalhes. Grato, Roberto.
ResponderExcluir