John é obeso. Não trabalha porque o excesso de peso o tornou incapaz. Ele
vive de benefícios do governo. De acordo com estimativas do partido
Conservador, atualmente no poder e em franca campanha para a reeleição em maio,
John é apenas um de um grupo de cem mil pessoas que vivem à custa do governo por
problemas de obesidade, ou porque são viciados em drogas e álcool. É justo que
o contribuinte sustente essa turma?
O primeiro-ministro David Cameron acha que não. Anunciou esta semana
que, se reeleito, vai cortar os benefícios de gordos e viciados, que recusarem
tratamento para mudar de vida. Para que este post não fique longo demais,
resolvi falar só do problema da obesidade. Então vamos lá.
A obesidade quadriplicou nos últimos vinte e cinco anos nesta ilha. Um
em quatro adultos no Reino Unido é obeso e o pior é que não são só eles.
O problema afeta uma em cada cinco crianças entre dez e onze anos. A previsão é
de que no ano de 2020, um em cada três adultos será obeso. A situação é tão
grave, que se diz agora que a gordura é o novo cigarro. O excesso de peso traz
consequências péssimas para a saúde, aumenta o risco de diabetes do tipo dois,
doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, como o de mama e o de
intestino. Só a diabetes custa ao NHS (o Serviço Nacional de Saúde) nove
bilhões de libras por ano de acordo com o Diabets UK, cerca de trinta e seis
bilhões de reais. Estima-se que dos dois milhões e meio de cidadãos vivendo do
seguro saúde, cerca de um milhão e meio receba o benefício por mais de cinco
anos. Ao justificar seu plano, David Cameron argumenta que é um enorme
desperdício de potencial humano.
Se o Primeiro-ministro vai cumprir o que anda falando, caso seja
reeleito, ainda não sabemos. A oposição diz que isso é bravata de campanha para
arrebanhar mais eleitores. Diz que o plano é típico dos conservadores elitistas
e sua tendência de punir os mais pobres. A ideia de tentar resolver o problema da
gordura onde dói mais, no bolso, é polêmica, mas não tem nada de original.
Em 2008, o Japão adotou uma política de redução da cintura, com o
objetivo de eliminar gordura na população. Detalhe, apenas 3% dos japoneses
eram obesos, mas os indicadores apontavam para um aumento significativo no número de
gordos, caso o problema não fosse atacado de frente.
Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos do lado de cá do globo,
a sociedade japonesa é extremamente coletivista. Por isso mesmo, as penalidades
não incorrem ao cidadão e sim às companhias e governos locais. Pela chamada Lei
Metabo (de síndrome metabólica, que é como os japoneses chamam a obesidade),
adultos entre 40 a 75 anos são pesados e as cinturas são medidas anualmente. A
cintura dos homens não deve passar de 85 cm e das mulheres de 89 cm. Se
falharem em atingir a meta, envergonham a comunidade local ou empresa onde
trabalham, que têm de arcar com a multa. Se você, como eu, também se preocupou
com os pobres lutadores de sumô, aí vai mais uma informação nipônica: a maioria
deles se aposenta antes dos 40. Portanto, não tem desculpa.
Campanha japonesa |
Quando foi lançada, a Metabo previa a redução dos índices de obesidade
em 25% até o ano de 2015. Vai ser interessante verificar se funcionou ou não. O
que se sabe até agora é que a lei provocou um aumento na venda de equipamentos
de ginástica, de produtos que prometem perda de peso e de frequentadores de
academias. Além disso, muitos japoneses aderiram às dietas malucas, nas semanas
que precedem o exame.
Mas os ingleses não são japoneses e a sociedade aqui é muito diferente.
Além do mais, não é a primeira vez que o Primeiro-ministro busca na carteira a
solução do problema real que é a obesidade. Em 2011, David Cameron ameaçou
introduzir o ‘Fat Tax’, o imposto gordura. A ideia de aumentar o imposto de
produtos engordativos também não é inédita. Outro país, desta vez bem mais
perto daqui, tentou uma estratégia semelhante.
Em outubro de 2011, a Dinamarca introduziu o ‘imposto gordura’ para a
manteiga, leite, queijo, pizza, carne, óleo e outros alimentos que
contém mais de 2,3% de gordura saturada. Um ano depois a lei foi abolida. Ela
falhou em mudar os hábitos alimentares dos dinamarqueses, que passaram a cruzar
a fronteira para comprar produtos mais baratos, o que colocou muitos empregos
locais em risco. A lei custou um enorme capital político ao governo. O então
ministro da agricultura, alimentos e pesca declarou que o ‘imposto gordura’ foi
a lei mais impopular que eles tiveram em muito tempo.
Resolver o problema da obesidade através de leis é polêmico, mas é
necessário que o governo entre nesta batalha, argumentam os médicos britânicos.
Em 2013, duzentos e vinte mil médicos se juntaram para demandar um imposto de
20% para os refrigerantes e outras bebidas açucaradas. E não foi só isso.
Querem refeições mais frescas e saudáveis em hospitais, a proibição de
lanchonetes fast food próximo às escolas, mais verba para combater a obesidade,
proibição de anúncios de produtos que tenham alto teor de sal, gordura saturada
e açúcar antes das nove da noite, além da introdução das ‘etiquetas semáforo’
nas embalagens. As etiquetas usam as cores, vermelho, laranja e verde para os
índices de calorias, açúcar e sal. Verde é o mais saudável. Laranja para ser
consumido eventualmente e vermelho, que deve ser evitado. A informação visual
clara ajuda o consumidor a fazer suas escolhas.
Etiqueta 'semáforo' |
O problema é que nem sempre é possível escolher. Sou do tipo que vai o
supermercado comprar uma coisinha e sai com o carrinho cheio. Mas outro dia
consegui me comportar. Saí de lá somente com o que fui comprar; uma pizza
pronta e cebola. Quase caí para trás quando fui pagar pela compra. Um pacote
com três cebolas custou quatro reais a mais do que o que paguei pela pizza
marguerita. Alimento fresco neste país é caríssimo. Uma caixa de profiteroles
recheados de creme e gordura hidrogenada é mais barato do que um pacote de maçãs,
que é a fruta mais abundante por aqui. O que me deixa encafifada: o que é que
tem nos alimentos processados que custa tão barato?
Açúcar, muito açúcar é o
que diz o endocrinologista Robert Lustig, especialista em obesidade
infantil. E o pior é que o diabo se apresenta com vários nomes: malte
diastático, dextrano, maltose, xarope de
sorgo, fructose e glucose. Esses nomes esquisitos, segundo o médico, fazem
parte de uma estratégia sem-vergonha da indústria de alimentos para enfiar
açúcar goela abaixo do consumidor, sem ele saber o que está consumindo. Adoçar
os alimentos faz com que eles fiquem mais apetitosos e durem mais, o que
aumenta o tempo de prateleira. Peguei, ao acaso, seis produtos que tinha na
dispensa. Todos continham muito açúcar, até o feijão com molho de tomate, que
os ingleses comem no café da manhã.
Produtos açucarados |
Em seu livro, Fat Chance, o doutor Lustig defende a ideia de que os
governos deveriam realocar os subsídios destinados ao cultivo de milho e soja
(indispensáveis para a indústria de alimentos processados) e focar mais no
cultivo de outros legumes e verduras. Ele engrossa o grupo que defende uma
sobretaxa para os produtos açucarados.
O problema é encontrar quem tenha vontade política de adotar as medidas
que são extremamente impopulares. O próprio Primeiro-ministro já defendeu que
se fixe um preço mínimo para bebidas alcóolicas, como uma das estratégias para
diminuir o consumo exagerado do produto. Latiu, mas não mordeu. Em 2013, o
governo voltou atrás e disse que não havia evidências sólidas de que a medida
iria funcionar. No ano passado, entrou em vigor uma lei que não permite a venda
de bebidas abaixo do preço de custo, foi o máximo que conseguiram. Na Columbia
Britânica, uma província do Canadá, a política de preço mínimo foi adotada há
mais de vinte anos e os resultados são inegáveis na redução do consumo de
bebidas alcóolicas.
Fixar um preço mínimo para bebidas atinge o pobre mais do que o rico,
certo? Parece óbvio, mas é mais complexo
do que isso. Um estudo publicado no ano passado pelo NHS diz que estabelecer um
preço mínimo por unidade de álcool afeta positivamente os pacientes no grupo de
risco em todas as classes socioeconômicas. E vai além: os consumidores mais
pobres são menos afetados, porque consomem menos bebidas alcoólicas do que os
mais ricos.
Voltando ao plano de David Cameron de cortar os benefícios dos obesos,
que recusarem tratamento. Será que é uma boa? Realisticamente, quantas
pessoas obesas fazem dieta e mantêm o peso ideal depois de dois anos? É tão fácil
assim? Anunciar que vai cortar benefícios é mole. Enfrentar o lobby da
indústria alimentícia e regular a quantidade de açúcar nos alimentos é briga de
cachorro grande. Como sempre, parece que ir atrás do corrompido é uma saída
mais simples. Penalizar os ‘sanguessugas’ da sociedade rende muito mais votos
do que aumentar o imposto dos alimentos e cobrar da indústria seu papel de
responsabilidade. Cabe ao Estado agradar ao eleitor, ou defender os
interesses de seus cidadãos?
Quanto ao argumento de que os obesos estariam ‘quebrando’ o sistema de saúde, aí vai um teste: entre um obeso, um fumante e uma pessoa saudável, qual deles custa mais para o NHS? Se você respondeu o último, acertou. Porque vive mais, o saudável acaba custando mais aos cofres públicos. O ponto é que nem tudo deve se resumir ao bolso.
Quase nada é tão simples como parece.
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