terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cortando gorduras

 



John é obeso. Não trabalha porque o excesso de peso o tornou incapaz. Ele vive de benefícios do governo. De acordo com estimativas do partido Conservador, atualmente no poder e em franca campanha para a reeleição em maio, John é apenas um de um grupo de cem mil pessoas que vivem à custa do governo por problemas de obesidade, ou porque são viciados em drogas e álcool. É justo que o contribuinte sustente essa turma?

 

O primeiro-ministro David Cameron acha que não. Anunciou esta semana que, se reeleito, vai cortar os benefícios de gordos e viciados, que recusarem tratamento para mudar de vida. Para que este post não fique longo demais, resolvi falar só do problema da obesidade. Então vamos lá.

 

A obesidade quadriplicou nos últimos vinte e cinco anos nesta ilha. Um em quatro adultos no Reino Unido é obeso e o pior é que não são só eles. O problema afeta uma em cada cinco crianças entre dez e onze anos. A previsão é de que no ano de 2020, um em cada três adultos será obeso. A situação é tão grave, que se diz agora que a gordura é o novo cigarro. O excesso de peso traz consequências péssimas para a saúde, aumenta o risco de diabetes do tipo dois, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, como o de mama e o de intestino. Só a diabetes custa ao NHS (o Serviço Nacional de Saúde) nove bilhões de libras por ano de acordo com o Diabets UK, cerca de trinta e seis bilhões de reais. Estima-se que dos dois milhões e meio de cidadãos vivendo do seguro saúde, cerca de um milhão e meio receba o benefício por mais de cinco anos. Ao justificar seu plano, David Cameron argumenta que é um enorme desperdício de potencial humano.

 

Se o Primeiro-ministro vai cumprir o que anda falando, caso seja reeleito, ainda não sabemos. A oposição diz que isso é bravata de campanha para arrebanhar mais eleitores. Diz que o plano é típico dos conservadores elitistas e sua tendência de punir os mais pobres. A ideia de tentar resolver o problema da gordura onde dói mais, no bolso, é polêmica, mas não tem nada de original.

 

Em 2008, o Japão adotou uma política de redução da cintura, com o objetivo de eliminar gordura na população. Detalhe, apenas 3% dos japoneses eram obesos, mas os indicadores apontavam para um aumento significativo no número de gordos, caso o problema não fosse atacado de frente.

 

Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos do lado de cá do globo, a sociedade japonesa é extremamente coletivista. Por isso mesmo, as penalidades não incorrem ao cidadão e sim às companhias e governos locais. Pela chamada Lei Metabo (de síndrome metabólica, que é como os japoneses chamam a obesidade), adultos entre 40 a 75 anos são pesados e as cinturas são medidas anualmente. A cintura dos homens não deve passar de 85 cm e das mulheres de 89 cm. Se falharem em atingir a meta, envergonham a comunidade local ou empresa onde trabalham, que têm de arcar com a multa. Se você, como eu, também se preocupou com os pobres lutadores de sumô, aí vai mais uma informação nipônica: a maioria deles se aposenta antes dos 40. Portanto, não tem desculpa.
 




Campanha japonesa

 




Quando foi lançada, a Metabo previa a redução dos índices de obesidade em 25% até o ano de 2015. Vai ser interessante verificar se funcionou ou não. O que se sabe até agora é que a lei provocou um aumento na venda de equipamentos de ginástica, de produtos que prometem perda de peso e de frequentadores de academias. Além disso, muitos japoneses aderiram às dietas malucas, nas semanas que precedem o exame.

 

Mas os ingleses não são japoneses e a sociedade aqui é muito diferente. Além do mais, não é a primeira vez que o Primeiro-ministro busca na carteira a solução do problema real que é a obesidade. Em 2011, David Cameron ameaçou introduzir o ‘Fat Tax’, o imposto gordura. A ideia de aumentar o imposto de produtos engordativos também não é inédita. Outro país, desta vez bem mais perto daqui, tentou uma estratégia semelhante. 


Em outubro de 2011, a Dinamarca introduziu o ‘imposto gordura’ para a manteiga, leite, queijo, pizza, carne, óleo e outros alimentos que contém mais de 2,3% de gordura saturada. Um ano depois a lei foi abolida. Ela falhou em mudar os hábitos alimentares dos dinamarqueses, que passaram a cruzar a fronteira para comprar produtos mais baratos, o que colocou muitos empregos locais em risco. A lei custou um enorme capital político ao governo. O então ministro da agricultura, alimentos e pesca declarou que o ‘imposto gordura’ foi a lei mais impopular que eles tiveram em muito tempo.

 

Resolver o problema da obesidade através de leis é polêmico, mas é necessário que o governo entre nesta batalha, argumentam os médicos britânicos. Em 2013, duzentos e vinte mil médicos se juntaram para demandar um imposto de 20% para os refrigerantes e outras bebidas açucaradas. E não foi só isso. Querem refeições mais frescas e saudáveis em hospitais, a proibição de lanchonetes fast food próximo às escolas, mais verba para combater a obesidade, proibição de anúncios de produtos que tenham alto teor de sal, gordura saturada e açúcar antes das nove da noite, além da introdução das ‘etiquetas semáforo’ nas embalagens. As etiquetas usam as cores, vermelho, laranja e verde para os índices de calorias, açúcar e sal. Verde é o mais saudável. Laranja para ser consumido eventualmente e vermelho, que deve ser evitado. A informação visual clara ajuda o consumidor a fazer suas escolhas.
 

 

 
Etiqueta 'semáforo'



 


O problema é que nem sempre é possível escolher. Sou do tipo que vai o supermercado comprar uma coisinha e sai com o carrinho cheio. Mas outro dia consegui me comportar. Saí de lá somente com o que fui comprar; uma pizza pronta e cebola. Quase caí para trás quando fui pagar pela compra. Um pacote com três cebolas custou quatro reais a mais do que o que paguei pela pizza marguerita. Alimento fresco neste país é caríssimo. Uma caixa de profiteroles recheados de creme e gordura hidrogenada é mais barato do que um pacote de maçãs, que é a fruta mais abundante por aqui. O que me deixa encafifada: o que é que tem nos alimentos processados que custa tão barato?  


Açúcar, muito açúcar é o que diz o endocrinologista Robert Lustig, especialista em obesidade infantil.  E o pior é que o diabo se apresenta com vários nomes: malte diastático, dextrano, maltose,  xarope de sorgo, fructose e glucose. Esses nomes esquisitos, segundo o médico, fazem parte de uma estratégia sem-vergonha da indústria de alimentos para enfiar açúcar goela abaixo do consumidor, sem ele saber o que está consumindo. Adoçar os alimentos faz com que eles fiquem mais apetitosos e durem mais, o que aumenta o tempo de prateleira. Peguei, ao acaso, seis produtos que tinha na dispensa. Todos continham muito açúcar, até o feijão com molho de tomate, que os ingleses comem no café da manhã.

 

 

 
Produtos açucarados





 

 
Em seu livro, Fat Chance, o doutor Lustig defende a ideia de que os governos deveriam realocar os subsídios destinados ao cultivo de milho e soja (indispensáveis para a indústria de alimentos processados) e focar mais no cultivo de outros legumes e verduras. Ele engrossa o grupo que defende uma sobretaxa para os produtos açucarados.
 

O problema é encontrar quem tenha vontade política de adotar as medidas que são extremamente impopulares. O próprio Primeiro-ministro já defendeu que se fixe um preço mínimo para bebidas alcóolicas, como uma das estratégias para diminuir o consumo exagerado do produto. Latiu, mas não mordeu. Em 2013, o governo voltou atrás e disse que não havia evidências sólidas de que a medida iria funcionar. No ano passado, entrou em vigor uma lei que não permite a venda de bebidas abaixo do preço de custo, foi o máximo que conseguiram. Na Columbia Britânica, uma província do Canadá, a política de preço mínimo foi adotada há mais de vinte anos e os resultados são inegáveis na redução do consumo de bebidas alcóolicas.

 

Fixar um preço mínimo para bebidas atinge o pobre mais do que o rico, certo?  Parece óbvio, mas é mais complexo do que isso. Um estudo publicado no ano passado pelo NHS diz que estabelecer um preço mínimo por unidade de álcool afeta positivamente os pacientes no grupo de risco em todas as classes socioeconômicas. E vai além: os consumidores mais pobres são menos afetados, porque consomem menos bebidas alcoólicas do que os mais ricos.
 

Voltando ao plano de David Cameron de cortar os benefícios dos obesos, que recusarem tratamento. Será que é uma boa? Realisticamente, quantas pessoas obesas fazem dieta e mantêm o peso ideal depois de dois anos? É tão fácil assim? Anunciar que vai cortar benefícios é mole. Enfrentar o lobby da indústria alimentícia e regular a quantidade de açúcar nos alimentos é briga de cachorro grande. Como sempre, parece que ir atrás do corrompido é uma saída mais simples. Penalizar os ‘sanguessugas’ da sociedade rende muito mais votos do que aumentar o imposto dos alimentos e cobrar da indústria seu papel de responsabilidade. Cabe ao Estado agradar ao eleitor, ou defender os interesses de seus cidadãos? 


Quanto ao argumento de que os obesos estariam ‘quebrando’ o sistema de saúde, aí vai um teste: entre um obeso, um fumante e uma pessoa saudável, qual deles custa mais para o NHS? Se você respondeu o último, acertou. Porque vive mais, o saudável acaba custando mais aos cofres públicos. O ponto é que nem tudo deve se resumir ao bolso.


Quase nada é tão simples como parece. 
 


  

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