sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Menor de idade e grávida




Minha filha tem duas amigas mais próximas na escola, ‘Daisy’ e ‘Elizabeth’. Resolvi mudar os nomes, por uma questão de privacidade. O pai de Daisy está desempregado. A mãe trabalha dois dias por semana numa loja. Eles dependem de uma ajuda do governo para fechar as contas no fim do mês e vivem num ‘council flat’, uma espécie de moradia social, subsidiada pela administração regional do bairro. A três quarteirões do prédio de Daisy, vive Elizabeth, numa casa avaliada em um milhão de libras (quatro milhões de reais). O bom é que ambas frequentam a mesma escola e são tratadas do mesmo jeito pelos professores e colegas.


 A avó de Daisy é um ano mais nova do que o pai de Elizabeth. Um fato que as meninas acham engraçadíssimo. Nem a avó de uma e nem o pai da outra são idosos, embora quando se tem dez anos, qualquer um com mais de trinta é velho.  As histórias dessas duas famílias são emblemáticas. Ilustram bem o que acontece por aqui e em muitos outros lugares. Nas regiões mais pobres, a gravidez na adolescência é maior do que em outras áreas, onde o número de casais que têm o primeiro filho perto dos quarenta anos é maior.


Desde que vim morar na Inglaterra, há mais de dez anos, escuto falar que a gravidez na adolescência é altíssima nesta ilha, porque as meninas ganham casa e são sustentadas pelo governo. Entretanto, uma notícia essa semana virou esse disco arranhado. Trouxe uma novidade: o número de jovens menores de dezoito anos, que engravidaram na Inglaterra e País de Gales, caiu pela metade nos últimos quinze anos. É o menor desde 1969, data do primeiro registro. As estatísticas, no entanto, revelam que a maior incidência de gravidez na adolescência ainda está concentrada nas áreas mais pobres do país.


A jornalista e comentarista Deborah Orr, do jornal ‘The Guardian’, que tem uma linha editorial mais de esquerda, credita a diminuição do número de adolescentes grávidas às mudanças na sociedade. Para ela, a versão de que as moças engravidavam de propósito, para serem sustentadas pelo Estado, é simplista e falha ao enxergar o contexto social. A jornalista argumenta que a discriminação que as mães solteiras sofriam caiu radicalmente depois da revolução sexual dos anos 70 e durante os anos 80. O que restou foi a ideia que estava na base do preconceito; a concepção de que o valor da mulher estava somente na maternidade e no lar. Principalmente para as moças pobres, com menos chances de conseguir um bom emprego, a maternidade era a única vida que elas vislumbravam. Então, por que adiar o inevitável?  Aos poucos, graças aos investimentos em educação, elas foram percebendo o ônus de uma gravidez precoce.


Educação é, de fato, uma palavra-chave. A queda do número de adolescentes grávidas coincide com um maior investimento nas meninas. Hoje em dia elas apresentam um desempenho escolar melhor do que os meninos em todas as áreas do conhecimento, incluindo as exatas. Existem várias teorias que tentam explicar este fenômeno. Uma delas é que a escola é um ambiente dominado pelas mulheres, a maior parte dos professores são mulheres. Os livros e o material didático favoreceriam as meninas. Outra tese é de que se criou a ideia de que os meninos não são tão bem sucedidos quanto as meninas, porque são agitados e não se concentram. Na opinião de um especialista em educação, esta ideia fatalista é determinante do fracasso escolar dos meninos, já que não se espera muito deles. Se o desempenho deles não é bom, é apenas mais uma profecia que se cumpre. Eles estão apenas seguindo um roteiro de expectativas.


Educação em geral parece ter tido um impacto positivo na redução de gravidez na adolescência, mas a educação sexual nas escolas merece um papel de destaque nesta história. O programa começa já com as crianças no jardim de infância. Tudo muito sutil, fala-se de amor e cuidados com o corpo. Faz parte do currículo e as crianças nem percebem. Nos três últimos anos da escola primária (crianças de 9,10 e 11 anos), as aulas se tornam mais óbvias. As crianças assistem a vídeos, apropriados para a idade delas. Um deles conta a história de um grupo de meninas e meninos que sai a procura do gato da família e acaba descobrindo que o gato era uma gata, que teve filhotinhos.  Depois eles visitam uma tia que está grávida. Aos poucos os vídeos introduzem questões como as mudanças corporais e preparam as crianças para a adolescência.


 Mas nem todos os pais estão de acordo com as aulas. Fui a uma reunião na escola, convocada para discutir o tema e mostrar um aperitivo dos vídeos. Quando o filme falou de masturbação feminina, sem mostrar nada explícito e sem dar nomes aos bois, uma das mães ficou irritada. Ela se mexia na cadeira, olhava para vizinha ao lado e balançava a cabeça como quem diz não. Assim que o professor perguntou se alguém tinha alguma pergunta, ela fez seu discurso. Disse que não autorizaria a presença da filha nas aulas e que isso não era assunto para escola.


Alguns anos atrás, o chefe-celebridade Jamie Oliver entrou numa campanha para melhorar a qualidade da merenda escolar. Ele estava preocupado com o que as crianças comiam na hora do almoço. Como não dá ponto sem nó, fez um documentário sobre o tema. As escolas, mostradas no programa, introduziram a merenda saudável e proibiram que as crianças levassem de casa alimentos açucarados e cheios de gordura saturada. Até hoje me lembro da cena de algumas mães jogando pacotes de batata frita e chocolates para os filhos por cima da cerca do pátio da escola. A mãe indignada da reunião de pais me fez pensar nas mulheres do documentário. Nos dois casos, elas fizeram o que achavam melhor para seus filhos. Se ao menos a ignorância protegesse nossas crianças...




Virtual Babies




Na escola secundária, a educação sexual é ainda mais presente. Muitas escolas introduzem o Bebê Virtual como parte do currículo.  São bonecas-robôs para que as meninas tenham a oportunidade de ‘praticar’ durante vinte e quatro horas. O bebê virtual chora pra burro, no meio da noite, no meio do dia, como um neném de verdade. A ‘mãe’ tem que trocar a fralda, acalmar o bebê, vesti-lo com a roupa apropriada para o clima e alimentá-lo. Ao contrário de um filho de verdade, o bebê virtual grava tudo. A adolescente e a escola recebem um relatório completo de como foram os cuidados. Além do bebê virtual, existe também um feto virtual, que simula a gravidez e outro bebê, que ao ser sacudido, mostra os danos provocados no cérebro. Tem também o bebê que já nasce viciado em drogas e álcool e sofre síndrome de abstinência e problemas neurológicos.




 
  







Não há como negar que os programas educativos tiveram um impacto na redução da gravidez na adolescência, mas a internet pode ter tido sua parcela de responsabilidade também. O doutor Philip Zimbardo é um dos psicólogos mais famosos do mundo. Na década de 70, conduziu um estudo sobre o comportamento de prisioneiros e carcereiros.  Com mais de 80 anos dirigiu seu olhar para a internet. Numa palestra do TED em 2011, ele avaliou o impacto da internet no comportamento dos adolescentes.



 





  A palestra é em inglês, mas a transcrição do texto em português está na http://www.ted.com/talks/zimchallenge?language=en 

  


Zimbardo parte da premissa de que os jovens passam tempo demais na internet. Estima-se que um típico rapaz de vinte um anos tenha passado dez mil horas de sua vida jogando videogame. E aí vai um dado ainda mais assustador: em média os adolescentes assistem a cinquenta vídeos pornográficos por semana. Ao contrário do vício das drogas, onde o viciado quer mais da mesma substância, o vício virtual cria um desejo constante por novidades. Aí é que mora o perigo. 


Vários estudos apontam para um novo fenômeno; o de rapazes que têm medo de intimidade, simplesmente porque, de tão acostumados com o mundo virtual, já não sabem como se comportar no mundo real. Não sabem a língua do cara a cara. Imagine juntar a falta de experiência com a expectativa criada pelos filmes pornôs numa cabeça cheia de hormônios pululantes. Com medo de falharem, esses adolescentes acabam adiando o início da vida sexual.

A pressão que a pornografia exerce sobre os adolescentes, de uma forma totalmente distorcida, acaba tendo um impacto na redução de gravidez na adolescência, porque as meninas estão namorando rapazes mais velhos, que são mais maduros quanto à contracepção e mais focados nos planos a longo prazo.


Com os rapazes da mesma idade fora do alcance, as moças passam muito tempo nas redes sociais. Vários tabus podem ter caído desde a revolução sexual, mas a menina namoradeira ainda hoje é taxada de galinha. No mundo virtual elas se vigiam o tempo todo e o caldeirão da fofoca borbulha como nunca. Elas têm que ser mais cuidadosas, porque o escândalo agora é mais público do que nunca e as consequências no grupo social são maiores.
  

Este papo todo de internet, mudanças na sociedade e educação é besteira, dizem os mais céticos. O que mudou realmente foi que o partido Conservador, no poder desde 2010, cortou a mamata das adolescentes. De fato, o partido Conservador tem cortado sistematicamente muitos benefícios sociais, como parte do plano para a retomada de crescimento da economia. Mas o interessante é que, mesmo durante o governo dos Trabalhistas, o número de gravidez na adolescência vinha caindo. Se esta tendência de queda se consolidar, quem sabe Daisy não vá repetir a história da mãe e da avó. Espero que sim. E tomara que o discurso de Patrícia Arquette, ao receber Oscar de melhor atriz coadjuvante, seja ouvido. Ela disse que está mais do que na hora das mulheres receberem os mesmos salários dos homens. Quem sabe assim, mais adolescentes adiem a maternidade, porque enxergam um futuro melhor.









Um comentário:

  1. Olá Maria Eduarda, seu blog é bem interessante!!! Gostaria de saber se você teria interesse em escrever também para o ChaComLeite.com? Caso sim, favor enviar um email para webmaster@chacomleite.com, para que eu possamos acertar os detalhes. Grato, Roberto.

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