terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Rio Passado a Limpo


 

Londres fica onde Londres fica não por um acaso. Como em milhares de outras cidades, foi um rio que determinou seu nascimento. O Tâmisa, que nasce no vilarejo de Kemble em Cotswolds (uma das regiões mais bonitas desta Ilha) é o rio mais longo da Inglaterra. Na capital, serpenteia sua geografia desenhando história pelo caminho.




 

Nos mais de dois mil anos de existência de Londres, celtas, romanos e britânicos; gerações de mercadores e marinheiros se valeram da proximidade com o oceano para transportar riquezas pelo rio. O Tâmisa viveu uma mini era do gelo em 1607. Durante um inverno rigoroso suas águas congelaram, transformando o leito do rio em rinque de patinação. No século 18, o tráfego no rio era pesado, trazendo as riquezas do Império Britânico. No meio do século seguinte, o Tâmisa deu um sinal de estafa. Seu estresse tinha nome e sobrenome: poluição. 1858 entrou para história como o ano do “grande fedor”.  O mal cheiro era tamanho, que os políticos tiveram que abandonar a sede do parlamento em Westminster, à beira do Tâmisa.

 

Os britânicos são um povo orgulhoso. Têm orgulho de sua história de conquistas, da rainha e de suas tradições como a democracia. Esses são os óbvios. Morando aqui descobri mais alguns, como o orgulho pelas descobertas científicas e de engenharia. Já sabia da falta de modéstia quando o assunto são as estradas de ferro, mas tem outro que eles não deixam passar batido: são fascinados por sua rede de esgoto! Ainda bem que no século 19 os políticos daqui não pensavam que ‘obra enterrada não dá voto’.

 
Charge ironize o Grande Fedor

Para pôr a história no contexto, a cólera matava indiscriminadamente os londrinos, que viviam ao redor de um grande esgoto a céu aberto. Entre 1853 e 54, a doença matou mais de dez mil pessoas em Londres. Na época acreditava-se que a cólera fosse provocada pelos miasmas, em bom português: os gases que se originam da decomposição de matéria orgânica. A explicação era que a doença vinha do ar. Ao investir num sistema de coleta e tratamento de esgoto, atiraram no que achavam que viram e acertaram no que não viam.  

Os parlamentares votaram em tempo recorde um projeto para construir uma rede de esgotos na capital e, de quebra, produziram uma revolução na saúde pública, o que aumentou a expectativa de vida da população. Puseram um capitão da marinha, o engenheiro civil Joseph Bazzalgette encarregado de tocar o projeto. Ele era um homem com visão de futuro. O sistema que criou segue firme e forte.

Bazzalgette podia até ser um visionário, mas seus poderes não incluíam uma bola de cristal. Ele não tinha como imaginar que existiria um Hitler no caminho. Os bombardeios da terrível luftwaffe detonaram parte do sistema de esgoto de Londres e a sujeira voltou ao Tâmisa. No pós-guerra, tudo era prioridade, o Império Britânico se esfacelava e dinheiro não nascia não nascia de geração espontânea. A situação ficou tão feia, que em 1957 o Museu de História Natural de Londres declarou que o Tâmisa estava biologicamente morto na capital.

Foto Thames21

 

Na década seguinte, o problema do saneamento foi tratado. Tirar o esgoto do rio foi um passo importante, mas não dá para esquecer que aqui é o berço da Revolução Industrial. O Tâmisa continuou sendo castigado até que nas décadas de 70 e 80 leis e campanhas de conscientização regulamentaram o uso de pesticidas nas lavouras e detritos industriais. A poluição por metais pesados diminuiu e a vida começou a retornar ao rio. 

Leis e políticas públicas são fundamentais, não há o que discutir, mas o envolvimento da sociedade civil é fundamental. Existem inúmeros programas nas escolas para educar os cidadãos do futuro.


Foto Thames21

 

A Thames21 é uma instituição de caridade que trabalha para que os afluentes do maior rio inglês sigam desobstruídos. Segundo Alice Hall, uma das coordenadoras do projeto, a intenção é estimular as pessoas a se engajarem não só na limpeza dos rios, como também mudar comportamentos e assim prevenir que o lixo seja jogado na água e acabe poluindo o Tâmisa.  

O excesso de ruas asfaltadas e quintais pavimentados faz com que a água da chuva não seja absorvida no solo e termine na rede de esgotos, o que provoca pequenos transbordamentos de água misturada com sujeira no Tâmisa. Um dos trabalhos educativos do Thames21 estimula a coleta de água da chuva, como forma de atenuar o problema.  

O governo acaba de anunciar um megaprojeto que promete ter um impacto positivo no Tâmisa, o “Thames Tideway Tunnel”. Começa no ano que vem a construção de um super esgoto; um túnel de 25 quilômetros que vai custar 4.2 bilhões de libras (cerca de 23.5 bilhões de reais). A obra deve ficar pronta em 2023 e a ideia é minimizar os problemas gerados pelo aquecimento global, que se as previsões estiverem corretas, deve elevar o nível dos rios e oceanos.


O engenheiro da era vitoriana, voluntários que percebem a importância dos rios e um túnel bilionário. Ação e planejamento são duas palavras-chaves no sucesso da revitalização do Tâmisa. Em cinquenta e poucos anos, o rio que foi chamado de morto, hoje abriga mais de cento e vinte e cinco espécies de peixes. Se a gente não atrapalha, a vida floresce.
 
Foto: Thames21
 

Um comentário:

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