quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O que realmente importa



“Você amarrou os sapatos de forma errada a vida toda e nem sabia”. “10 coisas que você precisa saber sobre o papel higiênico”. “Tudo o que você precisa saber sobre o Islã num vídeo de cinco minutos”. “ 100 livros que você precisa ler”. “ 5 peças que não podem faltar no seu guarda-roupas neste verão”. “ Faça o teste que revela como o mundo enxerga você”. “Assista ao vídeo da mulher traída armando barraco”. “ A bunda mais linda do Brasil”. “Que cor era o vestido azul de Napoleão? ” “Os carros dos super ricos”. “ Menina diagnosticada com doença rara tem três dias para viver”. “A dieta do homem das cavernas”. “O bolo da garrafa de Coca-Cola”. “Os melhores chefs do mundo”. “Homem perde 70 quilos e arruma namorada”. “Mulher pede ajuda para tratar anorexia”. “Coxinhas pelo impeachment”. “ Petralhas acusam o golpe”. “Trump trucida mulçumanos”. “Le Pen fatura na desgraça”. “Terror sacode a França”. “Britânicos bombardeiam a Síria”. “Refugiados morrem no mar e são torturados em terra”. “Terrorista entrou como refugiado”. “O bebezinho que canta rock e encanta todo mundo”. “ O gato que toca piano”. “ A resposta da mulher vítima de um troll”. “ O cidadão tem o direito de andar armado e se defender”. “Armas aumentam a violência”. “Cresce o número de assaltos seguidos de morte”. “O desastre ecológico do século”. “ O planeta esquenta e a seca aumenta”.  “Vai faltar água”.


Cansou?

Eu fiquei exausta.

Em 2011, os americanos consumiam cinco vezes mais informação do que em 1986, o equivalente a 175 jornais. Durante as horas de lazer (excluindo trabalho), processaram 32 gigabytes, 100 mil palavras por dia. Estes números foram extraídos do livro que é um dos best-sellers neste natal aqui na Ilha. Chama-se ‘The Organized Mind – thinking straight in the age of information overload’ (A mente organizada – pensando direito na era do excesso de informação), do neurocientista Daniel Levitin. Procurei o livro em português, mas não encontrei. A estatística acima se refere aos americanos, mas é cada vez mais óbvio que se aplica a muitos outros países.


O best-seller do momento


O ponto que o autor levanta no livro é que na chamada Era da Informação nossos cérebros estão cansados. Não é à toa que perdemos as chaves de casa, nos esquecemos de coisas banais o tempo inteiro. As más notícias não terminam por aí: esse estresse mental faz o corpo produzir cortisol. Em excesso, este hormônio faz engordar, diminui a libido, afeta a memória e dificulta o aprendizado. É um problema sem solução? Não, de acordo com o autor. No livro, ele sugere uma série de estratégias, como fazer uma pausa de quinze minutos a cada duas horas para ficar pensando em nada, ouvindo música, lendo um livro. A siesta vale ouro. Cochiladas de quinze minutos valem mais do que uma hora de sono durante a noite. Arte, experiências religiosas, meditação ou simplesmente deixar a mente livre são excelentes antídotos para o excesso de cortisol: fazem o corpo produzir serotonina e aumentam em até 10 pontos o QI.


O Dr Levitin afirma que nos últimos 20 anos foram produzidas mais informações científicas do que todos os anos anteriores combinados. O fato de estarmos trocando a literatura de ficção por artigos que lemos na internet também está nos tornando pessoas com menor capacidade de empatia. Achamos cada vez mais difícil nos colocarmos no lugar do outro. As redes sociais fazem nossos cérebros acreditarem que estamos cada vez mais perto uns dos outros, quando de fato, estamos mais distantes.


Talvez a geração de nossos filhos fará um uso melhor do que a Era da Informação tem a oferecer. Confesso que faço parte do time de iliteratos da internet. Não é que faltei a esta aula, ela não existia no meu tempo de escola. Para mim, como para muitas outras pessoas, é difícil separar o joio do trigo. Como saber se a fonte é boa?  De onde brota a informação que leio? Sou mesmo capaz de avaliar  riscos e fazer escolhas conscientes?



Durante anos, as cartinhas de natal da minha filha tinham o mesmo pedido: um cachorrinho de verdade. Três anos atrás, o natal foi de crise, porque o Papai Noel ouviu o pedido da melhor amiga dela, mas se esqueceu de trazer um filhotinho aqui para casa. Aos oito anos, ela escreveu uma carta respeitosa, embora firme (leia-se enfurecida), para o velhinho de barba branca e roupas vermelhas. Queria saber o que tinha feito de errado para não ter o pedido aceito. 

  

Acho que é bom desejar muito alguma coisa. Não acredito que as crianças devam ter todos os desejos satisfeitos. Mas, sabendo da paixão da minha filha pelos animais, ficava com pena de não atender o pedido. Os motivos eram muitos: a casa pequena, carpete, o que fazer com o bicho quando a gente sai de férias, a sujeira na casa, gasto com veterinário, gasto com ração...


Nós rendemos. Passei semanas na internet procurando um cachorro. Meus níveis de cortisol devem ter subido, cada vez que ligava para um dono e ouvia que a ninhada tinha sido vendida. Era para ser surpresa, mas minha filha descobriu. Fomos as duas buscar a filhotinha no outro lado de Londres. Um trânsito dos infernos. Ela tensa e ansiosa. Eu tinha dito que íamos ver se o cachorrinho estava bem, se não estivesse, teríamos que procurar outro. Ela concordou com um sim, quase inaudível. Foi falando sobre os nomes que queria para o bichinho de estimação.

 A cachorrinha era uma belezinha. A lista com os nomes foi para o lixo. Anna olhou para ela e disse: vai se chamar Honey May! Honey parece ter gostado, porque abanou o rabinho.

No carro, com a Honey May no colo, a Anna começou a chorar compulsivamente. Dizia sem parar: não acredito que tenho um cachorro. Não acredito, mãe.

                                                           Honey May chegando na casa nova

Honey está conosco há três semanas. Foi o maior berreiro na primeira noite. Anda roendo uns rodapés. Entrou escondida na sala e fez xixi no carpete. Saliva quando vê as minhas havaianas. A casa virou casa de neném, não fica nada ao alcance dos dentinhos afiados de Honey.

A casa também ficou mais alegre e mais cheia. As gargalhadas decoram o ambiente. As visitas querem conhecer o mais novo membro da família. É impossível resistir ao charme dela e nós todos brincamos juntos. O próximo passo vai ser começarmos a falar em cachorrês. Estamos quase lá.

Não adianta querermos brigar com a tecnologia. Nos tornarmos nostálgicos. Não tem volta e ainda bem. As possibilidades são maiores. Mas precisamos aprender a fazer um uso melhor da informação. Não nos tornarmos escravos dela e muito menos deixar que ela nos amedronte.  Sugue as nossas energias. As vezes, as escolhas que não parecem lá muito sensatas, ou inteligentes, são as que precisamos fazer.
Esse é o meu desejo para 2016. Que possamos viver no presente, ainda que imperfeito, sem perder de vista o que realmente importa para cada um de nós. Seja lá o que for.


Honey May

6 comentários:

  1. Que lindo texto, Maria Eduarda. Parabens pelo blog. Um Feliz Ano Novo para voce e sua familia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigada, Lidiani. Que 2016 seja bom demais da conta!

      Excluir
  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  3. Belíssimo texto Duda!!! Tenho vivido o mesmo dilema, minha esposa e meus filhos só falam em ter um cachorrinho. Mas tenho resistido bravamente. Além dos argumentos que vc enumerou, acho que o melhor seria adquirir o cão após o final do tratamento. Ao que seria para mim mais uma fonte de stress, ao contrário do que pensa minha família. No entanto, com certeza, ainda em 2016, teremos mais um habitante em nossa casa. Mais uma vez, desejo a vc e a sua família um 2016 muito especial. E parabéns pelo blog, os textos são ótimos. Forte abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Alexandre. Daqui a pouco o tratamento acaba e ai vai ser so correr para o abraco (alem de ter que arrumar um cachorrinho rss). Muita saude e paz para voce em 2016.

      Excluir
  4. Ops... Eu quis dizer " O que seria para mim mais uma fonte de stress...".

    ResponderExcluir