“Ser mãe é andar
chorando num sorriso.
Ser mãe é ter o mundo e
não ter nada.
Ser mãe é padecer no paraíso”.
“Podemos escolher ficar
grávidas aos 16 anos, mas não podemos rejeitar a maternidade aos 29. Parece que
nossas decisões apenas são levadas a sério quando elas estão de acordo com a
tradição." A frase é da britânica Holly Brockwell, uma mulher que ganhou
notoriedade ao dizer em público que não quer ser mãe. Ela tem brigado com o NHS
(o serviço público de saúde aqui da Ilha) para fazer uma laqueadura, uma
cirurgia que a tornará estéril. Holly deu uma entrevista para o site da BBC . Virou a 'Geni' da hora,
levou muita ‘pedrada’. Não foi a primeira. Esse assunto é como festa de natal.
Todo ano tem.
Holly Brockwell |
Recentemente foi
anunciado que um bebê nasceu na Suécia, do primeiro transplante de útero. O
procedimento é arriscado e caro. A mulher tem que tomar medicamentos para
evitar que seu corpo rejeite o novo órgão e a chances de sucesso são
baixíssimas. O bebê número um nasceu prematuro, porque a mãe desenvolveu pré-eclâmpsia.
Mulheres que arriscam
alto pela maternidade e mulheres que não querem ser mães. Elas precisam mesmo
estar no mesmo post?
William (18 meses),
Katherine (3 anos), Audrey (8 anos) três crianças da mesma família, que não
viveram tempo suficiente para passar seus genes para frente. A breve passagem
deles por aqui é relembrada em uma pedra fria de letras apagadas no cemitério
do bairro. Dá para imaginar a dor dos pais dessas crianças? Na era vitoriana, a taxa de mortalidade
infantil era muito alta por aqui, praticamente a mesma de Sierra Leoa nos dias
de hoje. Em 1840, uma em cada três crianças morria antes dos cinco anos de idade. Sem
falar que os contraceptivos não eram confiáveis. Tinha-se muitos filhos, poucos
chegavam a idade adulta.
Aprendi aqui uma máxima dos ingleses que valia até outro dia mesmo: “Crianças devem ser vistas e não ouvidas”. Em outras palavras, devem se comportar e não atrapalhar. Não têm direito a uma opinião. Depois da Segunda Guerra, este país viveu um Baby Boom; a taxa de natalidade disparou em um curto período de tempo. Na década dos sutiãs queimados, aconteceu a maior transformação no modo como encaramos a família. Graças ao antibiótico e à pílula, os casais passaram a ter menos filhos e eles começaram a viver mais. Os filhos se tornam o centro da vida familiar. A coisa mais importante. As crianças não mais gravitam ao redor dos adultos. Uma ideia que está tão entranhada, que a gente nem percebe que historicamente esse tipo de comportamento ainda está na primeira infância.
Hoje em dia, 92% dos
pais britânicos afirmam que os filhos participam das decisões da família: desde
o que comer para o jantar, onde passar as férias até o que assistir na tevê.
Ítens como aquecimento central nas casas deixaram de ser luxo e passaram a
necessidade. O comércio se adaptou para conquistar quem tem influência na
decisão de consumo dos pais. O apetite por lugares e experiências ‘child
friendly’ (bons para crianças) só cresceu.
Será que o fato de
estarmos tão focados em nossas crianças torna a vida mais difícil para as
mulheres que escolhem não ter filhos? Ou quem sabe essa nunca foi uma opção
para as mulheres?
Deixando o passado de
lado e brincando de futurologia: um estudo do Institute for Public Policy Research
(em tradução livre: Instituto de pesquisa para políticas públicas) prevê que nos
anos de 2030, um em quatro habitantes com mais de 65 anos nesta Ilha não terá
filhos. Uma amiga querida, que não teve filhos, uma vez me disse que era esse o
medo que ela tinha: envelhecer sozinha sem ter quem cuidasse dela. Como se
houvesse garantias de que os filhos viverão mais do que os pais, ou de que eles
irão cuidar de seus velhos. O tema da solidão na velhice foi abordado no
comercial de natal, que está bombando este ano. Não precisa saber inglês para compreender
a mensagem:
Mas, é o medo da
velhice solitária que faz com que as pessoas sejam tão agressivas com as
mulheres que dizem que não são maternais e não querem ter filhos? Nos
comentários que li na reportagem sobre Holly, muita gente disse que o NHS
estava certo em adiar a cirurgia. Ela tem apenas 29 anos. E se ela mudar de
ideia?
As estatísticas do
Office for National Statistics (o IBGE daqui) mostram que entre 1990 e 2010 dobrou
o número de mulheres acima dos 40 que tiveram filho. Aos vinte anos, tive
algumas amigas que diziam que nunca iriam ter filhos. Aos trinta e tantos, os
relógios biológicos delas se transformaram em despertadores histéricos.
Entretanto, o universo das minhas amigas não é representativo de absolutamente
nada. Não passa de um exemplo. Se a Holly, assim como as minhas amigas, mudar
de ideia aos quarenta minutos do segundo tempo, paciência. “A decisão terá sido
minha”, ela afirma.
Fui atrás de informação
para este post e acabei descobrindo que, com exceção dos dados sobre a velhice
no futuro, é muito difícil encontrar números confiáveis sobre mulheres que não
querem ter filhos. Existem vários artigos de celebridades e anônimas que
defendem a não maternidade. Os estudos que encontrei sobre família contém dados
sobre filhos, como se o núcleo familiar só interessasse se houvesse descendentes.
Então? É preciso pôr no mesmo balaio as mulheres que
fazem de tudo para se tornarem mães e as que não querem ter filhos? Não deveria
ser necessário. Quando a mulher diz que não quer ter filho, porque não tem vocação
para a maternidade, ela escuta: “bobagem, no começo todo mundo acha difícil,
mas depois tudo se ajeita”. Esse pensamento é tão ofensivo para as mulheres que
não querem ser mães, quanto para as que penam para realizar o sonho da
maternidade.
Iguala todo mundo e não
escuta as diferenças. O instinto maternal vem mesmo acoplado ao útero? Será que
não dá para ser mulher sem ter filhos?
“ Ser mãe é padecer no
paraíso”. Nos anos dois mil, o romantismo do poeta Coelho Neto (1864- 1934) soa
pomposo e antiquado. A linguagem pode ter mudado neste começo de século. As
dinâmicas familiares também. Mas no que se refere ao direito de escolher ser ou
não ser mãe, ao que parece, a visão da sociedade está mais romântica que nunca.
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