quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Mamãe, eu quero mamar


 
“ Meu filho já saiu da maternidade mamando na mamadeira. Acho mais justo. Assim, uma noite eu fico acordada e na outra é a vez do meu marido. Por que só eu tenho que perder o sono? Somos ambos os pais da criança: direitos e deveres iguais! ” Com poucas variações, já ouvi esta frase algumas vezes aqui na Ilha. A primeira vez foi uma ex-vizinha, que completava dizendo que por causa de sua decisão, ela nem teve que abrir mão do vinhozinho, que gosta de tomar para relaxar ao fim de um dia atribulado.
 



 

Kirstie Allsopp é uma figura carimbada na tevê britânica. Ela apresenta programas como o Location, location, location, atuando como uma espécie de corretora de imóveis, mostrando casas a compradores em potencial. No ano passado, ela acabou se envolvendo num bafafá, ao dizer que as mulheres (que quisessem ser mães) deviam ter filhos na casa dos vinte e não aos trinta e tantos anos e que, se o preço fosse esse, que adiassem suas carreiras. Para ela, as prioridades estão trocadas e tratamento de fertilidade não deveria ser planejamento familiar.

 

Feministas de norte a sul, leste e oeste subiram nas tamancas. Kirstie, que faz a linha sou franca, disse que a discussão não era política ou social e sim que não se pode mudar a natureza. Cada mulher é dona do próprio nariz, mas elas que não se enganem: depois dos trinta e cinco a fecundidade diminui, independentemente da mulher ser bem-sucedida profissionalmente ou não. A questão, sem dúvida, é complexa e tem muitas pontas. Mas não dá para negar que, apesar das descobertas científicas terem evoluído horrores nas últimas décadas, o tal do relógio biológico não para. Ainda temos deadline, um prazo de validade para nossa fertilidade. Esse prazo vale tanto para as mulheres nas tribos mais remotas do planeta, quanto para as presidentes de multinacionais.

 

Esta semana, Jess Philips, uma parlamentar do partido trabalhista, entrou com um requerimento, que ela mesma considera controvertido: quer que as mulheres tenham direito de amamentar seus bebês no plenário e nas reuniões do Parlamento Britânico. Em pelo menos uma coisa ela tinha razão: o assunto é polêmico.
 

A parlamentar Jess Philips

 

Um colega de Jess, o conservador John Burns, mordeu a isca e virou notícia. Ele disse que a amamentação no Parlamento só deveria ser liberada, quando as caixas de supermercado puderem trabalhar amamentando os bebês ao mesmo tempo. Para ele, existe hora e lugar para tudo, amamentar inclusive. Como sempre, fui ver o que os leitores estavam comentando. A maioria dizia que lugar de trabalho é para trabalhar e que um bebê iria incomodar. Outro, mais irônico, disse que era contra, porque se o bebê ficasse ouvindo desde cedo o que os políticos dizem, nunca saberia diferenciar o certo do errado.

 

Brincadeiras de lado, a parlamentar que propôs a mudança disse que o papel dos políticos é liderar pelo exemplo e que, se o povo pudesse ver seus representantes amamentando em público e conciliando a vida profissional com a maternidade, seria um exemplo e tanto.

 

A fotógrafa paulista Miriam Dias é totalmente a favor da amamentação em público. “Se a criança está com fome, por que não a alimentar", ela argumenta. Miriam vive na Inglaterra desde  2006 e participa de um grupo que promove “mamaços”. São mulheres que se conectam nas redes sociais. Quando se tem notícia de uma mãe que foi maltratada por alguém por amamentar em público, elas se organizam e vão unidas amamentar seus bebês no lugar onde aconteceu o mal-estar. Para Miriam, é importante conscientizar as mulheres sobre os benefícios do aleitamento materno. Ela acredita que muitas acabem trocando o peito pela mamadeira, porque não recebem o apoio que necessitam. Seja dos parceiros ou da sociedade.

 
Miriam amamentando a filha
 

Miriam não está sozinha. Várias campanhas, tanto do governo quanto da sociedade organizada, tentam incentivar o aleitamento materno. Essas iniciativas surtem algum resultado. Mais mulheres estão optando pela amamentação nesta parte do planeta (de 62% em 1990, para 81% em 2010), mas essa determinação toda não vai muito longe. Bico do peito rachado, dores, inflamações e o fato de que a mãe não pode sair sem o bebê acabam desestimulando muitas mulheres. O desafio é convencer as mães a persistirem, sem fingir que não existem problemas no caminho. É preciso uma discussão honesta sobre o tema e, como disse a Miriam, apoio.

 

Miriam conta que sua filha nasceu de cesariana e que no começo o aleitamento não foi fácil. Raquel perdeu muito peso nos primeiros dias, mais do que é considerado normal. Ela pediu ajuda às ‘health visitors’ (uma espécie de agente de saúde que visita em casa TODAS as mulheres que tiveram filho recentemente). No dia seguinte, recebeu a visita de uma consultora em aleitamento. Elas não se acertaram. Dois dias depois, veio outra, que a ajudou bastante. Raquel tem dois anos e onze meses e ainda mama no peito. Perguntei a Miriam quando ela vai parar e ela me respondeu: quando minha filha não quiser mais.

 

Se pelo menos mais mães fossem como Miriam, o NHS (o sistema de saúde pública) levantaria suas mãos para os céus. O Sistema de Saúde publicou os resultados de uma pesquisa da Universidade Brunel, financiada com recursos da UNICEF. O estudo sugere que apenas 7% das mulheres continuam amamentando depois do quarto mês. E vai além, se este número passasse para 45%, o sistema de saúde iria economizar 40 milhões de libras por ano.

 

Eles chegaram a essa cifra calculando o quanto gastam com o tratamento de gastroenterite, bronquite, otite (inflamação de ouvido) e uma doença muito mais grave que necrosa o intestino dos bebês. Estas doenças citadas acima são muito menos recorrentes em crianças que mamam no peito. Além do mais, o aleitamento reduz os riscos de câncer de mama, de ovário e diabetes. Em suma, segundo o estudo, amamentação não é apenas melhor para a mãe e o bebê, mas também para os cofres públicos.

 
Se amamentar meu bebê é desconfortável para você, me diga,
por que você não olha para o outro lado?
                                          

 

Mas o que fazer quando a mulher quer, mas não pode amamentar, porque tem que trabalhar? Aqui na Ilha a licença maternidade é de 26 semanas e pode em alguns casos ser estendida por mais 26 semanas. Seis meses de aleitamento está de bom tamanho, não? Há controvérsias. Existe o argumento de que, depois dos seis meses, os benefícios do aleitamento materno X mamadeira não são tão significativos.
 
A socióloga Cynthia Colen, da universidade de Ohio nos Estados Unidos, conduziu um estudo para investigar os benefícios do aleitamento longo (mais de seis meses). Ela partiu da premissa que crianças que recebem o aleitamento materno por um período mais longo apresentam ganhos não só em termos de saúde, mas também no desenvolvimento cognitivo.
 
 A Dra. Colen analisou informações colhidas num período de 25 anos, com mais de 8 mil crianças de 4 a 14 anos. Ela quase caiu para trás com os resultados que encontrou. A maioria dos estudos compara o aleitamento nas famílias de poder socioeconômico baixo com famílias que estão melhor de vida. Já se sabe que as mulheres com menos problemas financeiros e nível educacional mais alto são as que mais amamentam seus filhos, além de serem mais propensas a oferecer uma alimentação saudável e de entenderem melhor os benefícios da educação. Quando ela comparou grupos de crianças de famílias com o mesmo poder aquisitivo, ela concluiu que os benefícios do aleitamento longo simplesmente desapareceram. Ou seja, não apresentaram nenhum ganho significativo. No entanto, a pesquisadora diz que é inegável os benefícios do aleitamento, só que é preciso uma discussão mais balanceada sobre o assunto.
  

Talvez o equilíbrio aconteça quando o aleitamento materno deixar de ser motivo de guerra entre os sexos, disputas políticas ou batalhas de estatísticas. Quando mamar no peito for  simplesmente a expressão da natureza, sem complicações. Só a deliciosa intimidade entre mãe e filho.


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