“ Se todos os insetos desaparecerem do planeta de uma
vez só, em cinquenta anos a humanidade será destruída. Se os humanos
desaparecerem da Terra, em cinquenta anos todas as outras formas de vida
florescerão”.
A frase é atribuída ao
cientista Jonas Salk, que desenvolveu a primeira vacina eficaz contra a pólio.
Esta é uma ideia poderosa, que nos faz pensar em como somos destrutivos. Circularam na internet há pouco tempo, reportagens
que mostram a vida selvagem retornando com a corda toda nas zonas de exclusão
do acidente nuclear de Chernobyl (1986), no que hoje é a Ucrânia.
Infelizmente, existe
uma terceira possibilidade, que a hipótese de Salk não contemplou: a de que
tanto insetos quanto humanos possam ser destruídos, juntamente com todas as
outras formas de vida. O pior é que nem podemos pôr a culpa num asteroide fora
de curso ou na ira de um Deus vingativo. A culpa é nossa mesmo. Graças à nossa
raça, isso é possível. A mesma curiosidade científica, que cura e que previne
doenças como a poliomielite, desenvolveu uma tecnologia capaz de transformar o
planeta azul numa terra apocalíptica.
Essa história começa no
fim do século 19, quando Marie Curie, uma cientista polonesa radicada na
França, desenvolve estudos pioneiros sobre radioatividade. Anos mais tarde, após
os nazistas invadirem a Polônia em 1939, um outro cientista, Albert Einstein,
escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt,
alertando o governo sobre o risco de os alemães desenvolverem uma bomba
atômica. Naquela altura do campeonato, físicos dos dois lados do Atlântico sabiam
que era possível desenvolver uma arma capaz de produzir ‘tanto calor quanto o
miolo do sol e destruir a vida numa área considerável’.
o 'cogumelo' atômico |
Aqui na Ilha, governo e
cientistas se empenhavam para desenvolver a bomba atômica, mas os britânicos
não estavam exatamente com dinheiro sobrando no meio da Segunda Guerra. Em 1942,
os americanos criaram o Manhattan Project, na corrida para bater os alemães e
desenvolver a arma de destruição em massa. No ano seguinte, Roosevelt e Chruchill assinaram o
acordo de Quebec - um empreendimento de duas nações de espírito bélico, com a
participação do Canadá, para tocar o projeto que iniciaria um novo ciclo da
nossa permanência neste planeta: a era atômica.
Quase no fim da Segunda
Guerra, os americanos lançaram as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
Cientistas do Projeto Manhattan celebraram. O esforço de suas inteligências
havia dado resultado. Demorou um tiquinho, mas a ficha caiu para alguns deles. Cerca
de duzentas mil pessoas perderam a vida em apenas dois ataques. Oppenheimer, o
cientista que liderou o Projeto Manhattan, teria pensado em voz alta: “ me
pergunto se os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki irão invejar os mortos”-
tamanho foi o estrago produzido. Essa história é contada num texto que a
educadora Jennifer Allen Simons, uma canadense empenhada na campanha pelo desarmamento
nuclear, escreveu para uma conferência em Praga.
A pacifista Jeniffer Allen Simons |
Ela narra o drama moral
de outro cientista envolvido no projeto, o professor Sir Josef Rotblat, um
judeu polonês com cidadania britânica. Quando os alemães invadiram a Polônia, Rotblat
estava trabalhando aqui na Ilha. Durante anos ele tentou, mas não conseguiu,
tirar a esposa de seu país. Ela acabou morrendo num campo de concentração. Em
1944, ficou claro que os alemães não estavam nem perto de fabricar a bomba
atômica e tinham desistido do projeto. Rotblat abandonou o Projeto Manhattan, ao
saber que a intenção era fabricar a bomba, que seria detonada no Japão e,de quebra, funcionaria como uma
demonstração de poder para os soviéticos. Ele foi acusado de ser um espião russo e comunista. Durante anos foi proibido de voltar aos Estados Unidos.
De volta à Inglaterra, desenvolveu projetos nucleares com aplicação na medicina.
Rotblat morreu em 2005, aos 96 anos de idade. Foi o único cientista a abandonar
o Projeto Manhattan por questões de consciência.
Rotblat, o cientista que se tornou pacifista |
Uma questão de consciência
também incomodava “Tim” (mudei o nome), um padre da igreja Anglicana, na semana
do 'Dia de Relembrar' do ano passado. http://mariaeduardajohnston.blogspot.co.uk/2014/11/relembrar-relembrar.html
Todo ano, no dia 11 de novembro, às onze horas da manhã este país faz um minuto em silêncio por aqueles que morreram na guerra. Crianças de várias escolas, escoteiros e bandeirantes participavam de uma cerimônia local. Elas deixaram coroas de papoulas aos pés de um memorial e depois foram convidadas a assistir a uma missa.
Todo ano, no dia 11 de novembro, às onze horas da manhã este país faz um minuto em silêncio por aqueles que morreram na guerra. Crianças de várias escolas, escoteiros e bandeirantes participavam de uma cerimônia local. Elas deixaram coroas de papoulas aos pés de um memorial e depois foram convidadas a assistir a uma missa.
Coroas de papopulas para relembrar os mortos na guerra |
Era uma
manhã fria, mas ensolarada. A igreja estava lotada. Preferi esperar do lado de
fora, assentada num banco de praça no cemitério centenário ao redor da igreja.
A mulher do padre também não tinha entrado. Ela tomava conta da filhinha do
casal. Nos conhecíamos de vista, temos uma amiga em comum.
Esther
(nome fictício) é uma mulher interessante, fala pouco, observa bastante.
Naquele dia, estava pra conversa. Ouvimos a congregação cantar ‘God save the
Queen’. Ela falou, sem tirar os olhos da filha que ameaçava escalar a placa
de um dos túmulos, que era a terceira vez que ouvia o hino naquela manhã.
Depois contou que “Tim” estava tenso com a história do sermão do dia. “Ele é
um pacifista. Tem que tomar cuidado. Há muitas famílias de militares nesta área”.Fiquei contente que ela não tivesse feito um comentário inofensivo a respeito do tempo. Parecia que iríamos ter de fato uma conversa.
Não sei
se porque ela já tem um pé na igreja, mas acabei fazendo uma confissão: disse
que também tinha minhas dúvidas sobre o 'Dia de Relembrar'. Que o culto à guerra
me incomodava, mas que de certa forma eu era fascinada pelo fato de que eles
preservam o passado e celebram sua identidade. Ela respondeu com um
lacônico “humm, interessante”, antes de correr para tirar a filha de cima da
estátua de um anjo rechonchudo. Nossa conversa estava encerrada.
Cruzes para relembrar os combatentes que tombaram na guerra |
George
Wald, um cientista que ganhou o Nobel de medicina por seu trabalho sobre a
pigmentação da retina, também era um pacifista e opositor da corrida
armamentista. Para ele, o único uso de uma bomba atômica é evitar que o outro
use a bomba contra você. Mais de duas mil bombas atômicas já foram detonadas em
nosso planeta em vários testes. Cada uma delas tem um custo ambiental. Atualmente, Estados Unidos, Grã-Bretanha,
França, Rússia, China, Índia, Paquistão e Coréia do Norte têm bombas atômicas
em seus arsenais. Um jogo muito arriscado.
Um ano
depois do encontro com a mulher do padre, a conversa que tivemos, rodeadas pelos
mortos, ganha outro sentido para mim. Na semana do 11/11, os britânicos, que
tanto gostam de relembrar seus heróis e mártires, talvez devessem incluir nesta
lista o horror gerado pelas bombas que ajudaram a criar e a detonar. Assim,
quem sabe, o passado poderia ensinar outra lição para não esquecer nunca mais.
Repetir, repetir, repetir. Esta é uma das armas mais poderosas da educação. Quem valoriza o passado sabe muito bem disso.
Repetir, repetir, repetir. Esta é uma das armas mais poderosas da educação. Quem valoriza o passado sabe muito bem disso.
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