sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Ciência e Fé




A primeira gravidez de Aline terminou em choro. A segunda também. Quando perdeu o terceiro bebê, ela achou que ia ficar louca. Tinha pesadelos horrorosos. Se torturava pensando se havia feito alguma coisa errada, se havia desejado o que não devia. O monstro do pensamento mágico e alienado crescia acelerado. A maternidade era então um sonho doloroso e cada vez mais distante.
Os abortos espontâneos são muito mais comuns do que se pensa. A maioria acontece sem que a mulher sequer soubesse que estava grávida. Estima-se que uma em cada seis gestações não vinguem. Entre dez e vinte por cento das mulheres que, assim como Aline, sabiam que estavam grávidas, perdem os bebês.
 Poucos abortos são investigados. São considerados como o curso normal da natureza. No caso de Aline, que vive aqui na Ilha, os médicos descobriram que os embriões não conseguiam se fixar em seu útero. Mas suspeita-se que entre cinco e sete de cada dez abortos aconteçam porque o embrião tinha alguma abnormalidade cromossômica. Ou seja, no momento da concepção e quando as primeiras células começaram a se dividir, alguma coisa deu muito errado.
Como diz uma amiga cientista: o dia mais importante da sua vida não é dia em que você nasce, mas o momento em que você começa a existir. Essa semana a BBC mostrou mais um documentário primoroso. Em inglês chama-se “Countdown to Life: the extraordinary making of you”. O programa começa como uma cena de cair o queixo da Cidade Maravilhosa, mas show mesmo são as animações gráficas que mostram como cada um de nós começa a ser quem somos.




Assistir do sofá a contagem regressiva da vida é um privilégio. A ciência avançou um bocado desde o ano 2000, quando foi anunciado o genoma humano. Mas quando a gente acha que sabe bastante, aparecem mais dúvidas. Por que tantos embriões são abortados? Como acontecem as abnormalidades genéticas?  E mais crucial, será possível evitá-las?























 

Hoje, nas capas dos jornais The Guardian e The Independent, uma história em comum; esta Ilha pode estar bem perto de começar a realizar modificações genéticas em embriões humanos. Cientistas britânicos pediram ao órgão governamental, que regulamenta as questões de fertilização humana, uma licença para alterar geneticamente embriões, doados por casais que recorrem às clínicas de fertilização artificial.


Se tiverem o pedido concedido, os britânicos vão estar em pé de igualdade com os chineses, os únicos a utilizarem a tecnologia no momento. A intenção não é produzir bebês geneticamente modificados e sim estudar os embriões, na esperança de compreender melhor por que tantas gestações terminam em choro.


A técnica ‘Crispr/Cas9’ de edição genética é polêmica. Os cientistas britânicos reafirmam suas intenções: dizem que não vão produzir um bebê geneticamente modificado. Seria ilegal, extremamente difícil e arriscado, eles argumentam.


Mas os Estados Unidos acham que os chineses foram longe demais. Declararam uma moratória para o uso da tecnologia nos laboratórios do país. Não sai um centavo de dólar do governo federal para bancar  pesquisas deste tipo. Eles querem mais tempo para pensar no assunto.


Os cientistas daqui da Ilha afirmam que as pesquisas são tão regulamentadas, que seria impossível avançar o sinal e produzir bebês geneticamente modificados para atender à vaidade dos pais, por exemplo. O que eles querem é compreender melhor os primeiros estágios do desenvolvimento de uma nova vida humana e, quem sabe, até reduzir o número de abortos em tratamentos de fertilização em vitro. Eles garantem que os embriões serão destruídos depois de quatorze dias de vida.


Quando penso neste assunto me lembro do livro ‘ O físico’ de Noah Gordon (um erro besta de tradução que transformou o título em inglês ‘The physician’ – o médico, em o físico). Batatinhas à parte, a ficção se passa na Idade Média e mostra a saga de um inglês na Pérsia, que vivia a idade de ouro da civilização árabe e judaica. No mundo do século onze, eles ainda batiam um bolão nas ciências, astronomia, matemática e a medicina era muito mais avançada do que o herói do livro conhecia na Inglaterra. Li o livro faz bem mais de uma década. Mas se a memória não me falha, numa das passagens o herói quase se dá mal, quando vai desenhar um osso quebrado. Qualquer representação do corpo humano era considerada heresia.



Já li em mais de um lugar a teoria de que o fundamentalismo de alguns teólogos islâmicos (por volta de 1055 a 1111) mudou o foco do estudo científico para o religioso, menos questionador: as coisas que não compreendemos completamente são desígnios de Deus. Deus sabe o que faz. Essa mudança coincide com o declínio da supremacia árabe no mundo das ciências.


 Quem já teve o privilégio de passear por Cambridge ou Oxford, se encanta com o fato de que tantas descobertas científicas foram feitas em um espaço relativamente pequeno. Lei da gravidade. Fibra ótica, DNA e tantas outras. É a curiosidade que move a ciência. Ela não acerta todas. Tá certo que os erros não são de todo maus, já que podem indicar outros caminhos. Entretanto, em nome da ciência, a humanidade cometeu muita barbaridade. O pulo do gato é encontrar o equilíbrio sem perder a curiosidade e o pensamento crítico.





Alguns dirão que foi o desejo de Deus, outros que só porque a ciência ainda não sabe explicar, não significa que tenha sido milagre. Mas, contrariando todas as expectativas, fico contente em revelar: Aline é hoje uma mãe orgulhosa de três meninas encantadoras, que foram concebidas à moda antiga.



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