quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A Rainha da Constância



Elizabeth Alexandra Mary, está beirando os noventa anos e com uma forma invejável. Interrompeu ontem suas férias para inaugurar uma nova linha de trem na Escócia, onde passa os verões. Segundo consta, preferia não ter ido, mas foi cumprir mais um de seus deveres reais. Seus assessores insistiam numa aparição pública no dia em que ela se tornaria a pessoa que ocupou o trono britânico por mais tempo nos mais de mil anos da monarquia desta Ilha.






Coroação da Rainha Elizabeth II



Vinte e três mil, duzentos e vinte e seis dias se passaram desde que a rainha Elizabeth II foi coroada. No Brasil, Getúlio Vargas era o presidente. Nos Estados Unidos, Truman e aqui o primeiro-ministro Winston Churchill governava um país, que ainda tentava ficar de pé depois da Segunda Guerra Mundial.


Os ingleses, eternos amantes da estatística, puderam se esbaldar ontem: Elizabeth sobreviveu a sete papas, doze primeiros-ministros, viu seu Império se desmantelar enquanto a população desta ilha passava de 50 milhões, em 1952, para os 64.6 milhões de hoje. Quando subiu ao trono, assassinos ainda eram enforcados neste país e os homossexuais mandados para prisão.

'Boy meets Girl' - BBC




“Leo, tenho uma coisa para te contar. Pode ser agora, pode ser mais tarde, mas prefiro que seja agora: nasci com um pênis”. De acordo com a BBC, o diálogo acima é uma das aberturas mais originais da história da tevê. Foi ao ar na semana passada na série ‘Boy meets girl’ (menino (rapaz) encontra menina (moça)). ‘Boy meets girl’ nasceu de um concurso para escritores e conta a história de amor de Judy, uma transexual e Leo. O mérito da BBC foi ter escalado para o papel principal Rebecca Root, uma atriz transexual. A crítica tem descido a lenha. Diz que o tema não deveria ser tratado como comédia e que ‘Boy meets girl’ tem clichês demais. Vi e gostei do primeiro episódio, mas sou suspeita, porque gosto do humor inglês, que tem um tom autodepreciativo.


Rainha Elizabeth II aos 89 anos





O dia de ontem no rádio, tevê, impressos e internet nesta Ilha foi como se a mídia tivesse pedido ‘altas’ para deixar o drama dos refugiados em segundo plano. A exaustão psicológica de assistir e refletir sobre afogados e retirantes foi substituída pelos assuntos da realeza. Como pouco se cria e muito se copia, ouvi e li em muitos lugares a mesma reflexão: a Rainha Elizabeth Segunda é uma constante num mundo em transformação.



Elizabeth viu muros caírem, mapas se redesenharem, pessoas apavoradas com um cataclismo nuclear que viria durante a guerra fria, pessoas ameaçadas pelo terrorismo. Gente morrendo de fome na África e gente morrendo de obesidade em seu quintal. Viu seu Império minguar e seu povo se enriquecer. Elizabeth também presenciou uma era de profundas mudanças sociais, como as que a nova série da BBC exibe na televisão. Mas o que ela representa para este povo não mudou em mais de seis décadas de reinado.



Todo ano, a Rainha participa da abertura do Parlamento http://mariaeduardajohnston.blogspot.co.uk/2015/03/pamonhices.html. Ela usa a mesma carruagem de sua tataravó, a Rainha Vitória, de quem acaba de roubar o recorde de longevidade no trono. Ao seu redor, prédios centenários convivem com os espigões de vidro, que brotam do chão. Como um país sobrevive em paz com mudanças sociais tão marcantes ao mesmo tempo em que reverencia sua Majestade?


Confesso que encarava a monarquia britânica com outros olhos antes de me mudar para este lado do mundo. Talvez meu modo de ver essa realidade esteja ficando menos cínico. Ou que sabe, mais anglicizado. Podem argumentar sobre o custo de manter a monarquia, quando tantos passam fome pelo mundo. Mas aprendi a entender de outro jeito: é possível andar para frente, evoluir, sem ter que destruir o passado. Tradição e modernidade podem sim ocupar o mesmo lugar no tempo e no espaço e ainda imprimir identidade a um povo.


Hoje ouvi no rádio um anúncio do novo livro de Saatchi - o ex-marido agressivo da cozinheira Nigella Lawson e que além de milionário, tem uma das melhores coleções particulares de arte moderna. O livro chama-se 'Dead', Morto, e, segundo a propaganda, traz reflexões sobre a mortalidade. Uma das frases do livro diz que: ‘tem gente que passa e deixa uma marca, tem gente que deixa uma mancha”.


Elizabeth Segunda vai deixar uma marca: a Rainha da constância.

 

5 comentários:

  1. 👏🏻👏🏻 como sempre, muito legal o seu texto!
    Bjs💋💋

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  2. Eita, eram palmas onde estão as interrogaçoes!!!

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  3. Uma boa reflexão... Constância é o segredo que todos deveriam descobrir. Ela nos faz sábios, nos deixa corrigir os erros a patir da experiência e antes que tudo esteja perdido. Porque não seguir Os bons exemplos e vez de duvidar da experiência... Fica aí essa mensagem...

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