Semana
passada, Stephen Cough voltou às páginas dos jornais por aqui. Ele havia saído
da prisão. De novo. Foi preso mais de quarenta vezes. Ao todo, entre idas e
vindas, Stephen passou cerca de dez anos encarcerado. A maior parte do tempo,
confinado na solitária. Custou ao contribuinte cerca de 400 mil libras (o que
dá mais ou menos 2.24 milhões de reais)
só para mantê-lo confinado, ainda tem os custos legais que não entram nesta
conta. Aqui vai a lista dos crimes que ele não cometeu:
Assassinato
(X), roubo (X), furto (X), sequestro (X), estupro (x), pedofilia (x), produzir,
distribuir ou consumir pornografia infantil (X), mostrar a genitália para
criancinhas no parque (X), atos terroristas (X)... Podia seguir com essa lista
por todo o código criminal, mas acho que neste ponto já ficou claro que ele não
é criminoso perigoso. Então por que passou tanto tempo atrás das grades?
Porque
não arredou o pé do que considera seu direito como ser humano: o de andar nu
quando e onde bem entender! Melhor contar a história do começo.
Stephen
Cough nasceu aqui na Ilha em 1959. Serviu na Marinha Real, foi motorista de
caminhão e flertou com os Moonies - a Igreja da Reunificação do reverendo Moon,
que cresceu nos Estados Unidos no auge da era hippie dos anos 70. Sua teologia
ortodoxa e a crença de que Moon fosse o segundo Cristo ainda gera muita
polêmica. Mas a causa de Stephen não é religiosa. Apesar de ele ser evangélico
na defesa de seu ponto de vista.
Quando
seus filhos eram pequenos, ele teve seu momento eureca, sua epifania. Acendeu
uma luzinha no cérebro dele: por que eu tenho que usar roupas se elas me fazem
suar? Por que tenho que ir contra a natureza e contra o que o meu corpo pede?
Até
entendo o momento em que ele teve esta ideia. Quando minha filha tinha dois,
três anos, travávamos inúmeras batalhas para que ela saísse de casaco na neve.
Ela fazia birra, porque queria sair de camiseta e short. Imagino que um dos
filhos de Stephen também tenha questionado o uso de roupas. O que ele argumenta
hoje é que, se vestir para se proteger do frio é certo, por que então se despir
quando está quente é errado? Gostaria de encontrá-lo para perguntar onde
ele encontra tanto calor aqui na Ilha. Gostaria de ir lá dar um upgrade na
minha vitamina ‘D’.
Land's End ao sul da Inglaterra |
Entre
2003 e 2004, Stephen começou a ficar famoso. Sem nem uma peça de roupa, usando
apenas botas, meias e uma mochila, ele cruzou o país de Land’s End (extremo sul)
a John o’ Groats no topo da Escócia (o Oiapoque ao Chuí daqui, que tem mais ou menos a mesma
distância de Brasília a Salvador). Começava ali a cruzada legal do homem
que este país conhece como o ‘Andarilho Nu’.
Logo
depois que resolveu que iria dedicar sua vida a andar sem roupa, Stephen foi
detido inúmeras vezes por ‘Minor Public Order
Offences’; pequenos delitos que não dão cadeia, mas rendem multa ao infrator
que tem um comportamento considerado ameaçador, abusivo ou que causa assédio,
alarme ou angústia a outra pessoa. As multas não fizeram Stephen mudar de
ideia. Então, ele começou a ser preso pelo o que os britânicos chamam de ASBO
(anti-social behaviour order), que foi introduzido pelo primeiro-ministro Tony
Blair para criminalizar pequenos delitos e lidar principalmente com o problema
de delinquentes jovens.
Da
última vez em que foi julgado, o Andarilho Nu foi condenado a 30 meses de
prisão. Demitiu seu advogado e resolveu que ia ser o seu representante legal.
Quis aparecer no tribunal, adivinhe só, pelado. Não teve o desejo concedido e
foi julgado à revelia. Mas entrou para história,quando em junho apareceu nu na corte, através
de uma transmissão de vídeo, para apelar contra sua sentença. Ele também apelou
à Corte Europeia de Direitos Humanos, com base na premissa de que seu
encarceramento o estava privando da liberdade de expressão e do convívio com
sua família.
A
teimosia de Stephen, ou a firmeza de suas convicções, é uma enorme dor de
cabeça para a Justiça Britânica. De acordo com o ex-diretor da procuradoria
pública, Lorde Macdonald, Stephen é um excêntrico que não faz mal a ninguém. O
fato de ele ter passado tanto tempo na prisão (a maior parte na solitária
porque se recusava usar o uniforme dos prisioneiros) é uma resposta draconiana,
inapropriada e desproporcional ao seu comportamento. O lorde também acha um
absurdo gastar tanto dinheiro público com o caso.
Na
penúltima vez em que Stephen foi solto, ele deu apenas alguns passos fora da prisão.
Ele estava nu mais uma vez e foi detido imediatamente por dois policiais que o
esperavam do lado de cá do muro. Semana passada saiu vestido e no momento está a caminho
de casa (a pé é claro) para rever os filhos adolescentes, que não teve a chance
de ver crescer. Deu uma entrevista a um repórter da BBC enquanto andava. Disse
que não sabe o que vai fazer no futuro. Queria apenas rever os filhos. Mas deu
uma pista do que ia em sua cabeça quando deixou a entender que, se desistisse
agora, nada teria valido a pena.
Também
na semana passada, foi notícia uma escrivã americana, que foi presa porque se
recusou a registrar o casamento entre dois homens nos Estados Unidos. Ela
argumentou que era contra seus princípios. Será que é forçar muito a barra
juntar a americana religiosa e o andarilho nu no mesmo balaio? Tenho muito mais
simpatia por um do que pelo outro, devo dizer. Um deles me parece muito mais
inofensivo. Mas até que consiga mudar a lei e tornar legal andar sem roupa por aí,
o Andarilho Nu vai continuar tendo problemas com a Justiça.
Imagino
que os filhos de Stephen gostariam que ele largasse o garfo. Se ele fosse meu pai, este seria meu desejo. Como não é , não consigo resolver se
prefiro ver este talher na mesa ou na mão.
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