quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Preço de Banana





Na primeira vez em que meu marido foi ao Brasil, fomos fazer compras numa feira de rua perto de casa. Perguntei a ele qual variedade de banana ele gostava mais. Ele olhou para mim como se eu estivesse falando marcianês. ‘Como assim? Existe mais de um tipo de banana?’ Nos supermercados desta ilha, em geral a gente só encontra uma variedade da fruta, que vem principalmente do Caribe e América do Sul: a Cavendish, uma banana prata graúda.
 
 
Caixa de bananas
 

 

Os britânicos adoram banana, é a fruta favorita deles. Tanto que consomem mais de cinco bilhões de unidades anualmente, em média 10 quilos de banana por habitante/ano. A banana é um dos produtos mais lucrativos na prateleira dos supermercados ingleses. Também é um dos mais desperdiçados. Representa 20% dos alimentos que vão para o lixo. Via de regra, os britânicos não gostam de banana madura.
 

As bananas chegam ao supermercado depois de uma viagem que pode durar meses. As frutas são colhidas ainda verdes e imediatamente resfriadas. Cruzam o oceano Atlântico até chegarem aqui em câmeras refrigeradas. O resfriamento impede que as frutas amadureçam. Uma semana antes de serem distribuídas aos supermercados, elas são borrifadas com um gás chamado etileno, que as bananas produzem naturalmente, se não houver interferência humana. A quantidade de gás vai determinar se a fruta estará pronta para o consumo em três, cinco ou sete dias. Nota 10 em tecnologia, nota 5 em sabor...
 

Os ingleses, por uma dessas razões excêntricas que ainda não compreendo muito bem, acham a palavra banana engraçadíssima e exótica. Dizem: ‘He went bananas’, ele pirou. Há vários playgrounds chamados ‘Go Bananas’ e quando misturam banana com outras cores, ‘Blue Banana’, então é o máximo da doideira.  

 

Apesar da referência lúdica à fruta, o negócio da banana não é brincadeira. As grandes redes de supermercado usam um super programa de computador para controlar o estoque. Cada vez em que uma banana passa pelo caixa, o estoque é informado. A prateleira com a fruta é a única que é estocada várias vezes por dia, todos os dias. É também um produto estratégico na briga dos supermercados por mais clientes. O que é bom para o consumidor, mas péssimo para o produtor.
 
 
 
Bananas em oferta
 

 

Anos atrás eu estava num supermercado olhando para as bananas e pensando em quantas deveria comprar, quando uma inglesa sorriu para mim e disse: ‘eu compro as Fairtrade. Você devia pensar nisso’. Não quis fazer o que meu marido havia feito na feira no Brasil. Não quis passar recibo de que o que ela estava dizendo era marcianês para mim. Só dei um risinho e me fiz de entendida. Ah, é, disse antes de pegar uma pequena penca com um adesivo Fairtrade colado na casca. Quis dar uma de bacana, mas na verdade não sabia nada sobre o Fairtrade. Voltei para casa e pedi ajuda ao pai dos burros, o bisneto do dicionário, Mr Google.




No Brasil muita gente conhece o ISO 9001, que certifica a qualidade de serviços e produtos, como móveis por exemplo. É bom para o fabricante ter o selo de qualidade, agrega valor ao produto. O Fairtrade, ou comércio justo, não é a mesma coisa, mas é semelhante em alguns aspectos. Como no caso do ISO 9001, para conseguir a certificação, o produtor precisa atender a uma lista de exigências.   

Imagine a cena, você vai ao supermercado. Lá se depara com duas gôndolas cheias de bananas com preços diferentes, uma mais cara do que a outra. Fora isso, as frutas são iguais; mesmo tamanho, variedade e procedência. Ainda assim, mesmo sabendo que elas são iguais, você decide pagar pela mais cara.  Ficou bananas? Pirou? Tem gente que faz isso? 

 

Tem. Muitos consumidores preferem pagar mais caro pela fruta. Ao comprarem um produto com o selo de comércio justo, eles aceitam ‘rachar’ a conta da remuneração decente ao produtor. O produtor vai receber um preço justo por seu produto, seja ele banana, chocolate, chá ou café, só para citar alguns.
 
 
Chocolate com o selo Fairtrade
 

 

O Fairtrade é uma alternativa ao comércio convencional. O consumidor assume seu papel de responsabilidade na cadeia produtiva. Ele cria uma demanda pública por produtos que ofereçam às organizações de produtores condições para eles investirem em sustentabilidade, produtividade e desenvolvimento rural. Traz enormes benefícios principalmente para o pequeno produtor.  Atualmente o Fairtrade beneficia um milhão e trezentos mil produtores em setenta países. Aqui vai um link para quem quiser se informar mais: http://www.fairtrade.org.uk/en
 
 
Bananas certificadas
  

 

Outro dia um amigo brasileiro estava contando que quando vem visita do Brasil, a casa dele fica cheia de sacolas de compras e embalagens. Nós brasileiros adoramos gastar dinheiro no exterior. Muita gente chega aqui com o nome de uma loja na ponta da língua: Primark. A Primark é irlandesa e tem lojas na Áustria, Portugal, Espanha, Bélgica, França, Holanda, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido. É o templo da moda descartável e barata, muito barata.
 
 
O templo da moda descartável
 

Antes de escrever esse texto passei por lá. Interesse puramente jornalístico é claro. Encontrei várias ofertas. Como um casaco masculino de inverno por dez libras, cerca de quarenta reais.
 
 

Casaco Masculino a R$ 40

 
 

Por causa dos preços baixos, a Primark é frequentemente acusada de explorar  mão-de-obra barata, principalmente em países asiáticos. É a primeira a levar pedrada quando surge esse assunto. É só olhar o preço nas etiquetas das roupas para concluir: a Primark está fazendo exatamente o contrário do que o Fairtrade prega e lucrando horrores. Em novembro, ao divulgar os resultados de 2014, a empresa afirmou que foi um ano ‘magnífico’ com um aumento de 30% dos lucros. Nada mal. Mas é isso mesmo? O maior sucesso da High Street (como os ingleses chamam o comércio varejista) é a Cruella Deville das lojas? A Primark é a maior vilã do comércio?
 

Ninguém duvida que várias empresas vão buscar fora matéria-prima e mão-de-obra baratas. Faz parte do jogo do capitalismo, quanto maior o lucro, melhor. Mas é falsa a ideia de que as lojas que vendem roupa barata exploram o trabalhador e as lojas que vendem roupas caras não fazem a mesma coisa. Um estudo publicado por uma organização chamada Clean Clothes mostra que marcas de luxo como Prada, Hugo Boss e Dolce Gabbana não ficam atrás da Primark quando o assunto é remuneração da mão-de-obra*. A Burberry resolveu fechar suas fábricas no Reino Unido em 2007. Mudou a produção para China, porque queria aumentar a margem de lucro em um milhão e meio de libras por ano.

O assunto é complexo demais para um post só. Há os que argumentam que um chinês ganha muito menos para fazer um casaco igual ao vendido na Primark do que um inglês receberia na Inglaterra pelo mesmo serviço . Mas o custo de vida na Inglaterra é muito mais caro e, embora a remuneração paga ao chinês seja pequena, ele recebe mais do que ganharia trabalhando nos campos de arroz por exemplo.
 


Em 2011, a Primark ganhou o status de líder do Ethical Trade Initiative ( iniciativa de comércio ético, em tradução livre). Foi uma das poucas empresas que indenizaram as famílias dos operários mortos num desabamento em Bangladesh, em 2013. O acidente matou 1.127 pessoas, quase 2.500 ficaram feridas (no atentado de onze de setembro ao World Trade Center em Nova York,  foram 2.606 vítimas fatais).  No prédio,que era como um formigueiro humano, havia 29 confecções trabalhando para marcas como a Benetton, Carrefour e Mango, que não quiseram pagar um centavo de indenização.




 
 

Em inglês existe uma expressão, 'named and shamed', que quer dizer tornar público o mal feito e envergonhar quem não agiu direito. Hoje saiu uma lista dos 'named and shamed' que não pagam salário mínimo aos empregados no Reino Unido. Entre os nomes, outro gigante da moda; a H&M. Fazer parte da lista negra dessas publicações e de outras tantas numa infinidade de blogs no mundo todo não pega bem para a marca. As empresas estão descobrindo que não basta apenas vender  produtos a preço de banana. O consumidor consciente quer mais.
 
 

* http://www.cleanclothes.org/resources/publications/stitched-up-1


   

 

 

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