Gosto de fazer
aniversário até hoje. Sempre gostei. Minha mãe, que tinha cinco filhos em casa
e ainda trabalhava fora, caprichava nas festas. Chegava do trabalho e, nas
noites que antecediam a festa, preparava para os convidados pequenas
surpresinhas, às vezes feitas de isopor. Eu achava que ajudava, mas hoje em dia
tenho minhas dúvidas se era ajuda. Adorava vê-la ocupada em preparar festa para
mim. Na véspera do aniversário, as crianças da casa brigavam para enrolar os
brigadeiros, abrir as forminhas, tarefa que ninguém queria, e para raspar as
panelas. Os primos chegavam. Os amigos também. Coxinhas, cigarretes (coisa
mais antiga) e empadinhas, as minhas favoritas. Brincávamos, corríamos e
comíamos sem nem nos lembrarmos que os adultos existiam. Era tudo festa e
diversão descomplicada.
No Brasil, mesmo quando
se marca hora para uma festa, a gente sabe que a festa começa quando a festa
começa. E acaba quando acaba. Na Inglaterra não é bem assim. As crianças são
convidadas para uma festa e o convite vai escrito num cartão, que tem um toque
da etiqueta francesa, o RSVP - répondez s'il vous plaît, que pede que se responda
confirmando ou não a presença. Os convites são entregues com
pelo menos três semanas de antecedência.
Convite de festa |
O convite deixa claro o
horário em que a criança deve chegar e quando os pais devem buscá-la. Varia
entre duas e quatro horas de festa. Os menorzinhos ficam menos tempo. Quando as
crianças são pequenas, em geral o pai ou a mãe fica na festa. Mas eles que não
esperem encontrar um lugar decente para assentar, petiscos e muito menos
cerveja ou vinho. A festa é da criança para crianças. O adulto é apenas um
acessório e como tal deve ficar o mais invisível que puder. Ah, nem pense em levar
o irmãozinho ou irmão mais velho da criança convidada.
As festas
acontecem na casa da criança, ou num salão, que pode ser de uma igreja ou de um
centro comunitário. Nada de centenas de balões e decoração de mesa. Nada de
comidinhas rodando o tempo todo. Os anfitriões tem tudo planejado. As crianças
tomam parte em brincadeiras organizadas, tipo a dança das cadeiras, jogo de
estátua e o ‘pass the parcel’. Uma brincadeira em que eles passam um
embrulho de muitas camadas. Cada vez em que a música para, a criança que segura
o embrulho pode desembrulhar uma das camadas, que tem um presentinho (um
pirulito por exemplo). Umas das regras implícitas das festas infantis é que
todas as crianças convidadas vão ganhar um dos presentinhos. Garantido. O pai vai parando a música toda vez em que a mãe faz um sinal. Outra
regrinha básica dos ‘party games’, os jogos de festa, é que o dono da festa tem
o direito de ser o primeiro em tudo. Quando eu era criança, meus pais ensinaram
que primeiro os convidados... Outros tempos. Outro continente.
Meia hora antes do fim
da festa, as crianças assentam-se à mesa e comem. Sanduíches de
queijo e presunto, salgadinhos tipo batata frita e doritos. Se der sorte,
pedaços de frango empanado, que foram comprados congelados, assados e servidos
quando já não parecem mais muito apetitosos. Se é que já foram atraentes um dia.
Pode ter também umas linguicinhas frias e murchas. Pizza, talvez. Como nem tudo
é junk food, pepino em rodelas, cenoura crua cortada em palitos,
tomatinhos cereja, uvas e morangos. No quesito doce, biscoitos recheados e
chocolates. O bom disso tudo é que qualquer um prepara uma festa destas em
menos de meia hora. A toalha de mesa, os pratinhos e os copinhos de suco são
descartáveis. Não dá nem o trabalho de lavar. Os pais, se houverem, ficam de pé
ao redor da mesa, enquanto as crianças se empanturram. Se sobrar comida, ai
eles se servem. Depois da comilança vem a hora de cantar parabéns. Nada de
bater palma, por favor!
O tamanho do bolo,
comprado pronto no supermercado, é sempre o mesmo. Não importa se são
seis ou trinta convidados. Em geral tem cerca de vinte centímetros
de diâmetro e uma cobertura grossa de glacê. A decoração varia. Antes de
despachar os pimpolhos para casa, a mãe do aniversariante corta o bolo em
fatias de mais ou menos um centímetro de espessura e embrulha num guardanapo de
papel. Se for um pedaço da quina, com certeza vai mais cobertura do que bolo
propriamente dito.
Numa dessas festas,
quando minha filha era bem pequena, ela recebeu um pedaço de bolo. Eu disse
para ela: O que você vai dizer para a mãe da sua amiguinha? Ela respondeu:
Posso ter uma fatia maior?! A mãe fez que não entendeu. Eu fiz que não entendi
e fomos embora levando a amostra de bolo. O bolo deve ser comido em casa e não
na festa.
Há também as festas de
escalada, de boliche, de natação, de pintura de cerâmica, em estúdio de
gravação e de cama elástica. Sobrevivemos a todas elas. Varia o
cenário, a locação, mas o roteiro é o mesmo. Todas com a programação afinada
minuto a minuto. Todas terminando com as mesmas comidas e o bolo de sempre.
Essa conversa toda é só para falar sobre a notícia que está bombando nos sites de notícias da Inglaterra nesta segunda-feira. Não, não é terrorismo. Não, não são as últimas atrocidades do Boko Haram. O que está pegando é uma briga de pais, por causa de uma festa infantil. É o tópico mais lido.
Em dezembro Alex, de
cinco anos, foi convidado para uma festa de esqui artificial. Era o aniversário
de um coleguinha de sala. O convite, claro, tinha o RSVP. O menino estava
animado com a festa e os pais dele confirmaram a presença. O problema é que
eles já tinham combinado com os avós do filho que o menino passaria o
fim-de-semana com eles. Foi quando eles cometeram um pecado capital: se
esqueceram de desconfirmar a presença de Alex na festa.
A mãe do aniversariante
não gostou de levar bolo, sem trocadilhos. Quando as crianças retornaram para a
escola depois do feriado de natal e ano novo, o convidado furão levou para casa
um envelope pardo na pasta. Dentro dele estava uma cobrança de dezesseis
libras, cerca de sessenta e cinco reais. A dona da festa estava cobrando dos
pais de Alex o valor que ela havia pagado à empresa de esqui artificial para
que o menino pudesse participar da festa.
O pai do garoto ficou
furioso. Foi bater na casa da mulher e disse que não iria pagar a conta. O caso
agora vai para um juizado de pequenas causas. Nada como viver num país de gente
civilizada...
Li esta notícia em mais
de um site. No da BBC, da última vez em que chequei, havia mais de mil e
duzentos comentários. Óbvio que não li todos. Tenho mais o que fazer. Mas dos
poucos que li, uma coisa me chamou atenção. O número de pessoas que acham que os
pais de Alex são uma desgraça. Prometeram uma coisa que não cumpriram.
Claro que muitos comentários dizem que a mãe do aniversariante tinha razão em
ficar chateada, mas que o comportamento dela era OTT (over the top), exagerado.
Ainda me lembro que, quando
o filme Central do Brasil foi lançado na Inglaterra, muitas críticas se
referiam à personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, como uma
criminosa. Me senti incomodada com o rótulo que ela ganhou da imprensa inglesa.
Para mim, ela era uma trambiqueira que no final se redimiu. Esse é o ponto.
Aqui não existe essa de trambique. Ou se está do lado da lei, ou não. Se a Dora
foi paga para escrever cartas e mandá-las pelo correio e ela não fez o que
prometeu, então na lógica britânica ela é criminosa. Se o pai de Alex disse que
o filho iria à festa e ele não foi, então que arque com as consequências.
Esta visão de mundo tem
implicações que vão muito além de uma festa de criança. Por um lado, cria
pessoas inflexíveis, sem jogo de cintura e intolerantes. E daí que os pais de
Alex se esqueceram de avisar que o menino não ia mais? Vá dizer que a dona da
festa nunca se esquece de nada? Por outro lado, tem um impacto profundo em
como, por exemplo, esse povo lida com a corrupção. De acordo com o Transparência
Internacional, um órgão que mede a corrupção no mundo, o Brasil ocupa o
sexagésimo nono lugar entre cento e setenta e cinco países. O Reino Unido é o
décimo quarto colocado. Percebeu a diferença? Mas este é um assunto para outro
post.
Por enquanto fico
pensando no Alex e em seu coleguinha aniversariante. Que memórias eles vão
guardar das festas de aniversário? Serão alegres e descomplicadas? Tomara
que sim. Tomara que eles nem se lembrem que os adultos existiam.
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