segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Infeliz Aniversário



Gosto de fazer aniversário até hoje. Sempre gostei. Minha mãe, que tinha cinco filhos em casa e ainda trabalhava fora, caprichava nas festas. Chegava do trabalho e, nas noites que antecediam a festa, preparava para os convidados pequenas surpresinhas, às vezes feitas de isopor. Eu achava que ajudava, mas hoje em dia tenho minhas dúvidas se era ajuda. Adorava vê-la ocupada em preparar festa para mim. Na véspera do aniversário, as crianças da casa brigavam para enrolar os brigadeiros, abrir as forminhas, tarefa que ninguém queria, e para raspar as panelas. Os primos chegavam. Os amigos também.  Coxinhas, cigarretes (coisa mais antiga) e empadinhas, as minhas favoritas. Brincávamos, corríamos e comíamos sem nem nos lembrarmos que os adultos existiam. Era tudo festa e diversão descomplicada.


No Brasil, mesmo quando se marca hora para uma festa, a gente sabe que a festa começa quando a festa começa. E acaba quando acaba. Na Inglaterra não é bem assim. As crianças são convidadas para uma festa e o convite vai escrito num cartão, que tem um toque da etiqueta francesa, o RSVP - répondez s'il vous plaît, que pede que se responda confirmando ou não a presença.  Os convites são entregues com pelo menos três semanas de antecedência.


 
Convite de festa







O convite deixa claro o horário em que a criança deve chegar e quando os pais devem buscá-la. Varia entre duas e quatro horas de festa. Os menorzinhos ficam menos tempo. Quando as crianças são pequenas, em geral o pai ou a mãe fica na festa. Mas eles que não esperem encontrar um lugar decente para assentar, petiscos e muito menos cerveja ou vinho. A festa é da criança para crianças. O adulto é apenas um acessório e como tal deve ficar o mais invisível que puder. Ah, nem pense em levar o irmãozinho ou irmão mais velho da criança convidada.




As  festas acontecem na casa da criança, ou num salão, que pode ser de uma igreja ou de um centro comunitário. Nada de centenas de balões e decoração de mesa. Nada de comidinhas rodando o tempo todo. Os anfitriões tem tudo planejado. As crianças tomam parte em brincadeiras organizadas, tipo a dança das cadeiras, jogo de estátua e o ‘pass the parcel’. Uma brincadeira em que eles passam um embrulho de muitas camadas. Cada vez em que a música para, a criança que segura o embrulho pode desembrulhar uma das camadas, que tem um presentinho (um pirulito por exemplo). Umas das regras implícitas das festas infantis é que todas as crianças convidadas vão ganhar um dos presentinhos. Garantido. O pai vai parando a música toda vez em que a mãe faz um sinal. Outra regrinha básica dos ‘party games’, os jogos de festa, é que o dono da festa tem o direito de ser o primeiro em tudo. Quando eu era criança, meus pais ensinaram que primeiro os convidados... Outros tempos. Outro continente.




Meia hora antes do fim da festa, as crianças assentam-se à mesa e comem. Sanduíches de queijo e presunto, salgadinhos tipo batata frita e doritos. Se der sorte, pedaços de frango empanado, que foram comprados congelados, assados e servidos quando já não parecem mais muito apetitosos. Se é que já foram atraentes um dia. Pode ter também umas linguicinhas frias e murchas. Pizza, talvez. Como nem tudo é junk food, pepino em rodelas, cenoura crua cortada em palitos, tomatinhos cereja, uvas e morangos. No quesito doce, biscoitos recheados e chocolates. O bom disso tudo é que qualquer um prepara uma festa destas em menos de meia hora. A toalha de mesa, os pratinhos e os copinhos de suco são descartáveis. Não dá nem o  trabalho de lavar. Os pais, se houverem, ficam de pé ao redor da mesa, enquanto as crianças se empanturram. Se sobrar comida, ai eles se servem. Depois da comilança vem a hora de cantar parabéns. Nada de bater palma, por favor!
  









O tamanho do bolo, comprado pronto no supermercado, é sempre o mesmo.  Não importa se são seis ou trinta convidados. Em geral tem cerca de  vinte centímetros de diâmetro e uma cobertura grossa de glacê. A decoração varia. Antes de despachar os pimpolhos para casa, a mãe do aniversariante corta o bolo em fatias de mais ou menos um centímetro de espessura e embrulha num guardanapo de papel. Se for um pedaço da quina, com certeza vai mais cobertura do que bolo propriamente dito.




Numa dessas festas, quando minha filha era bem pequena, ela recebeu um pedaço de bolo. Eu disse para ela: O que você vai dizer para a mãe da sua amiguinha? Ela respondeu: Posso ter uma fatia maior?! A mãe fez que não entendeu. Eu fiz que não entendi e fomos embora levando a amostra de bolo. O bolo deve ser comido em casa e não na festa.


   




Há também as festas de escalada, de boliche, de natação, de pintura de cerâmica, em estúdio de gravação e de cama elástica. Sobrevivemos a todas elas. Varia o cenário, a locação, mas o roteiro é o mesmo. Todas com a programação afinada minuto a minuto. Todas terminando com as mesmas comidas e o bolo de sempre.




Essa conversa toda é só para falar sobre a notícia que está bombando nos sites de notícias da Inglaterra nesta segunda-feira. Não, não é terrorismo. Não, não são as últimas atrocidades do Boko Haram. O que está pegando é uma briga de pais, por causa de uma festa infantil.
É o tópico mais lido.

Em dezembro Alex, de cinco anos, foi convidado para uma festa de esqui artificial. Era o aniversário de um coleguinha de sala. O convite, claro, tinha o RSVP. O menino estava animado com a festa e os pais dele confirmaram a presença. O problema é que eles já tinham combinado com os avós do filho que o menino passaria o fim-de-semana com eles. Foi quando eles cometeram um pecado capital: se esqueceram de desconfirmar a presença de Alex na festa.



A mãe do aniversariante não gostou de levar bolo, sem trocadilhos. Quando as crianças retornaram para a escola depois do feriado de natal e ano novo, o convidado furão levou para casa um envelope pardo na pasta. Dentro dele estava uma cobrança de dezesseis libras, cerca de sessenta e cinco reais. A dona da festa estava cobrando dos pais de Alex o valor que ela havia pagado à empresa de esqui artificial para que o menino pudesse participar da festa.


O pai do garoto ficou furioso. Foi bater na casa da mulher e disse que não iria pagar a conta. O caso agora vai para um juizado de pequenas causas. Nada como viver num país de gente civilizada...


Li esta notícia em mais de um site. No da BBC, da última vez em que chequei, havia mais de mil e duzentos comentários. Óbvio que não li todos. Tenho mais o que fazer. Mas dos poucos que li, uma coisa me chamou atenção. O número de pessoas que acham que os pais de Alex são uma desgraça. Prometeram uma coisa que não cumpriram.  Claro que muitos comentários dizem que a mãe do aniversariante tinha razão em ficar chateada, mas que o comportamento dela era OTT (over the top), exagerado.


Ainda me lembro que, quando o filme Central do Brasil foi lançado na Inglaterra, muitas críticas se referiam à personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, como uma criminosa. Me senti incomodada com o rótulo que ela ganhou da imprensa inglesa. Para mim, ela era uma trambiqueira que no final se redimiu. Esse é o ponto. Aqui não existe essa de trambique. Ou se está do lado da lei, ou não. Se a Dora foi paga para escrever cartas e mandá-las pelo correio e ela não fez o que prometeu, então na lógica britânica ela é criminosa. Se o pai de Alex disse que o filho iria à festa e ele não foi, então que arque com as consequências. 


Esta visão de mundo tem implicações que vão muito além de uma festa de criança. Por um lado, cria pessoas inflexíveis, sem jogo de cintura e intolerantes. E daí que os pais de Alex se esqueceram de avisar que o menino não ia mais? Vá dizer que a dona da festa nunca se esquece de nada? Por outro lado, tem um impacto profundo em como, por exemplo, esse povo lida com a corrupção. De acordo com o Transparência Internacional, um órgão que mede a corrupção no mundo, o Brasil ocupa o sexagésimo nono lugar entre cento e setenta e cinco países. O Reino Unido é o décimo quarto colocado. Percebeu a diferença? Mas este é um assunto para outro post. 

Por enquanto fico pensando no Alex e em seu coleguinha aniversariante. Que memórias eles vão guardar das festas de aniversário?  Serão alegres e descomplicadas? Tomara que sim. Tomara que eles nem se lembrem que os adultos existiam.



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