A esposa de Heinz está
morrendo de câncer. Mas nem tudo está perdido: um farmacêutico da cidade
descobriu uma droga que potencialmente pode salvar a vida da mulher. Só que tem
uma pegadinha: o farmacêutico é ganancioso. Ele gasta 200 dinheiros para
fabricar a droga e a vende por 2000 dinheiros. Heinz não tem essa grana toda. Ele
passa o chapéu e consegue recolher mil dinheiros de amigos e familiares. Então vai conversar com o farmacêutico. Diz que só conseguiu juntar mil
e implora para que o homem venda o remédio mais barato. Promete que vai pagando
a diferença depois. O farmacêutico insensível diz que não. Heinz entra em
desespero. Quando a noite cai, ele quebra a vidraça da farmácia e rouba o
medicamento.
Essa história é um
clássico nas aulas de ética e moral. Foi usada pelo psicólogo americano
Lawrence Kohlberg para explicar sua teoria dos estágios do desenvolvimento
moral da criança. Ele propõe uma série de questionamentos. O que importa não é
o que você faria se estivesse no lugar de Heinz e sim a decisão dele de roubar
a droga.
Estágio 1 – Obediência
Heinz não deveria ter
roubado, porque ele vai para prisão. Ele é uma pessoa má.
Ou: Ele deveria ter
roubado o remédio, porque a droga só custa 200 dinheiros ao farmacêutico. Além
do mais, Heinz ofereceu para pagar em prestações e ele não roubou nada além do
medicamento.
Estágio 2 – Interesse Próprio
Heinz roubou, porque
isso o deixará feliz: tentou salvar a esposa; mesmo que tenha que ir para a
prisão.
Ou: Ele não deveria ter
roubado a droga, porque cadeia é um lugar horroroso. Melhor lidar com a morte
da mulher do que apodrecer na prisão.
Estágio 3 –
Conformidade
Heinz tinha mesmo que
roubar o medicamento, porque a mulher dele esperava que ele fosse um bom
marido.
Ou: Ele não deveria
roubar, porque roubar é crime e ele não é um criminoso; o marido tentou tudo
que podia sem burlar a lei, a esposa não pode culpá-lo de nada.
Estágio 4 – Lei acima de tudo
Heinz errou ao roubar, porque a lei proibe roubar. Ele
cometeu um ato ilegal.
Ou: Ele deveria roubar o medicamento para sua esposa e arcar com as consequências:
prisão e reembolso ao farmacêutico. Não dá para sair por aí cometendo crimes e
não ser punido.
Estágio 5 – Direitos Humanos
Heinz estava certo ao roubar a droga, porque todo mundo tem o direito de
escolher a vida, independente do que diz a lei.
Ou: Ele errou porque o farmacêutico que descobriu o remédio merece ser
recompensado por sua descoberta (leia-se receber o pagamento que acha justo),
mesmo que isso custe a vida da esposa de Heinz.
Estágio 6 – Ética humana universal
Heinz deveria roubar o medicamento, porque salvar uma vida humana é mais
precioso do que o direito à propriedade (seja física ou intelectual) de outra
pessoa.
Ou: Ele errou porque outras pessoas talvez precisem também da droga que
ele roubou e todas a vidas são igualmente importantes.
Pensei no dilema de
Heinz assim que ouvi a história de Rob Lawrie. Ele é um britânico que, como
muitos outros, foi ajudar os refugiados na Selva - um grande acampamento na
França, em Calais, onde milhares de pessoas passam os dias na esperança de
cruzar o Canal da Mancha e recomeçar a vida aqui na Ilha. Rob foi julgado hoje
na França como traficante de seres humanos.
Rob já foi soldado,
trabalhou limpando carpetes. É bipolar e sofre da Síndrome de Tourette. Foi na
Selva que ele conheceu um refugiado afegão e sua filha Bru, de quatro anos.
Eles se tornaram amigos. O ex-fazendeiro afegão implorou a Rob que ele levasse
sua filha escondida no carro dele até a tia da menina, que vive na cidade de
Leeds, na Inglaterra. Rob topou. O plano foi por água abaixo quando dois cães
farejadores descobriram dois homens da Eritréia, que estavam escondidos na van
de Rob, sem que ele soubesse. Pelo menos essa é a versão dele.
Rob e Bru |
Como julgar o dilema de
Rob Lawrie? Ele burlou a lei. Tentou entrar no Reino Unido trazendo uma criança
ilegalmente. Ele estava certo ao tentar ajudar a menina e seu pai? Foi um bom
samaritano ou um criminoso? Você decide.
Se nem com as cinco
etapas do desenvolvimento moral você conseguiu chegar a uma conclusão,
fique sabendo que a corte francesa pegou leve. Talvez tenha ajudado que imprensa
mundial estava de olho no caso. Rob Lawrie se livrou da cadeia. Pagou uma multa
de mil euros. Ele não respondeu pelo crime de tráfico humano e sim por ter
transportado a criança de uma maneira que poderia colocar a vida dela em risco,
ou seja, a menina viajava sem o assento apropriado e sem cinto de segurança.
A tentativa frustrada
de trazer a menina para a Inglaterra aconteceu em outubro do ano passado. Rob
Lawrie confessou que seu plano foi estúpido. Agiu com o coração e sem pensar,
mas ele se disse satisfeito por ter jogado uma luz no drama das crianças
refugiadas. Ele foi para Calais tentar ajudar os refugiados, depois de ver a
foto do menininho morto numa praia da Turquia.
Rob vai poder voltar
para casa. Bru e o pai estão amargando um inverno gelado na favelona de Calais.
A 'Selva' de Calais |
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