quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Dilema de Heinz




A esposa de Heinz está morrendo de câncer. Mas nem tudo está perdido: um farmacêutico da cidade descobriu uma droga que potencialmente pode salvar a vida da mulher. Só que tem uma pegadinha: o farmacêutico é ganancioso. Ele gasta 200 dinheiros para fabricar a droga e a vende por 2000 dinheiros. Heinz não tem essa grana toda. Ele passa o chapéu e consegue recolher mil dinheiros de amigos e familiares. Então vai conversar com o farmacêutico. Diz que só conseguiu juntar mil e implora para que o homem venda o remédio mais barato. Promete que vai pagando a diferença depois. O farmacêutico insensível diz que não. Heinz entra em desespero. Quando a noite cai, ele quebra a vidraça da farmácia e rouba o medicamento. 

Essa história é um clássico nas aulas de ética e moral. Foi usada pelo psicólogo americano Lawrence Kohlberg para explicar sua teoria dos estágios do desenvolvimento moral da criança. Ele propõe uma série de questionamentos. O que importa não é o que você faria se estivesse no lugar de Heinz e sim a decisão dele de roubar a droga.

Estágio 1 – Obediência

Heinz não deveria ter roubado, porque ele vai para prisão. Ele é uma pessoa má.

Ou: Ele deveria ter roubado o remédio, porque a droga só custa 200 dinheiros ao farmacêutico. Além do mais, Heinz ofereceu para pagar em prestações e ele não roubou nada além do medicamento.

Estágio 2 – Interesse Próprio 

Heinz roubou, porque isso o deixará feliz: tentou salvar a esposa; mesmo que tenha que ir para a prisão.

Ou: Ele não deveria ter roubado a droga, porque cadeia é um lugar horroroso. Melhor lidar com a morte da mulher do que apodrecer na prisão.

Estágio 3 – Conformidade

Heinz tinha mesmo que roubar o medicamento, porque a mulher dele esperava que ele fosse um bom marido.

Ou: Ele não deveria roubar, porque roubar é crime e ele não é um criminoso; o marido tentou tudo que podia sem burlar a lei, a esposa não pode culpá-lo de nada.

Estágio 4 – Lei acima de tudo

Heinz errou ao roubar, porque a lei proibe roubar. Ele cometeu um ato ilegal.

Ou: Ele deveria roubar o medicamento para sua esposa e arcar com as consequências: prisão e reembolso ao farmacêutico. Não dá para sair por aí cometendo crimes e não ser punido.

Estágio 5 – Direitos Humanos

Heinz estava certo ao roubar a droga, porque todo mundo tem o direito de escolher a vida, independente do que diz a lei.

Ou: Ele errou porque o farmacêutico que descobriu o remédio merece ser recompensado por sua descoberta (leia-se receber o pagamento que acha justo), mesmo que isso custe a vida da esposa de Heinz.

Estágio 6 – Ética humana universal

Heinz deveria roubar o medicamento, porque salvar uma vida humana é mais precioso do que o direito à propriedade (seja física ou intelectual) de outra pessoa.

Ou: Ele errou porque outras pessoas talvez precisem também da droga que ele roubou e todas a vidas são igualmente importantes.




Pensei no dilema de Heinz assim que ouvi a história de Rob Lawrie. Ele é um britânico que, como muitos outros, foi ajudar os refugiados na Selva - um grande acampamento na França, em Calais, onde milhares de pessoas passam os dias na esperança de cruzar o Canal da Mancha e recomeçar a vida aqui na Ilha. Rob foi julgado hoje na França como traficante de seres humanos.

Rob já foi soldado, trabalhou limpando carpetes. É bipolar e sofre da Síndrome de Tourette. Foi na Selva que ele conheceu um refugiado afegão e sua filha Bru, de quatro anos. Eles se tornaram amigos. O ex-fazendeiro afegão implorou a Rob que ele levasse sua filha escondida no carro dele até a tia da menina, que vive na cidade de Leeds, na Inglaterra. Rob topou. O plano foi por água abaixo quando dois cães farejadores descobriram dois homens da Eritréia, que estavam escondidos na van de Rob, sem que ele soubesse. Pelo menos essa é a versão dele.
Rob e Bru

  

Como julgar o dilema de Rob Lawrie? Ele burlou a lei. Tentou entrar no Reino Unido trazendo uma criança ilegalmente. Ele estava certo ao tentar ajudar a menina e seu pai? Foi um bom samaritano ou um criminoso? Você decide. 

Se nem com as cinco etapas do desenvolvimento moral você conseguiu chegar a uma conclusão, fique sabendo que a corte francesa pegou leve. Talvez tenha ajudado que imprensa mundial estava de olho no caso. Rob Lawrie se livrou da cadeia. Pagou uma multa de mil euros. Ele não respondeu pelo crime de tráfico humano e sim por ter transportado a criança de uma maneira que poderia colocar a vida dela em risco, ou seja, a menina viajava sem o assento apropriado e sem cinto de segurança.

A tentativa frustrada de trazer a menina para a Inglaterra aconteceu em outubro do ano passado. Rob Lawrie confessou que seu plano foi estúpido. Agiu com o coração e sem pensar, mas ele se disse satisfeito por ter jogado uma luz no drama das crianças refugiadas. Ele foi para Calais tentar ajudar os refugiados, depois de ver a foto do menininho morto numa praia da Turquia.  

Rob vai poder voltar para casa. Bru e o pai estão amargando um inverno gelado na favelona de Calais.
A 'Selva' de Calais

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