terça-feira, 24 de março de 2015

Pedalar é preciso




Volta e meia minha filha de dez anos pergunta quando é que ela vai poder dirigir um carro. Quem não se lembra de torcer para o aniversário de dezoito anos chegar logo, só para tirar a carteira de motorista? É um dos muitos ritos de passagem na vida de um jovem. Ou pelo menos costumava ser.


Um estudo da Schroders, que é uma empresa de investimentos, aponta para uma mudança nesta tendência na Inglaterra. Já não é de hoje que a indústria automobilística sabe que as vendas de carros atingiram o pico nos países industrializados (exceto a Alemanha) e mais, estes mercados apresentam sinais que podem ser de declínio. Existem várias explicações para a mudança de comportamento destes consumidores. Fatores culturais e sociais, impulsionados pelo aumento do uso de tecnologia, teriam um papel importante.


Os jovens ingleses já não têm a mesma relação com o carro, que seus pais tiveram na idade deles. O carro deixou de ser símbolo de status. De objeto de desejo passou a ser apenas meio de transporte. O aumento de smartphones e das mídias sociais teve um impacto profundo nesta mudança de comportamento: é mais fácil se comunicar, ainda que virtualmente. Um estudo da Universidade de Michigan indica que o uso maior da internet coincide com a queda do número de jovens tirando a carteira de habilitação. Sem falar que o jovem do milênio valoriza mais o último lançamento de um aparelho eletrônico do que um carro. As vendas online também contribuíram para a diminuição de carros na rua. Não é mais necessário sair de casa para fazer compras. O que se observa claramente nas ruas inglesas, com várias lojas desocupadas, embora este seja assunto para outro post.
Dirigir no centro de Londres não é exatamente divertido. O motorista tem que pagar um pedágio eletrônico, chamado Congestion Charge, que custa em torno de 55 reais por dia! Estacionamento é um pesadelo logístico: não só é raro, como igualmente caro e, para complicar, o trânsito não anda. Mas quem precisa dirigir em Londres com um transporte público como o deles?
Diariamente são 24 milhões de jornadas em ônibus, no metrô, trens e nos barcos que cruzam o rio na capital inglesa. O metrô de Londres é antigo, tem uma malha extensa e que dá sinais de cansaço, apesar dos investimentos constantes. Toda manhã, o jornal local da BBC fala da situação do trânsito e o funcionamento do London Underground. É rara a semana em que todas as linhas estão funcionando sem atraso. A pontualidade britânica, no quesito transporte público, é mais um mito urbano. Quem depende dos trens para chegar ao trabalho sabe disso. No horário de rush, os vagões circulam lotados. Nos poucos dias de verão, o passageiro assa nos trens. Se neva, eles param. Se está muito quente, param também. Para quem usa todo dia, o transporte público é um mal necessário e, como os estacionamentos, caro. Por essas e por outras (a cidade precisa diminuir a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera), Londres tem investido nas ciclovias. E não é de hoje.
O plano começou com o prefeito anterior, que era da oposição (partido trabalhista). Mas foi o atual prefeito, Boris Johnson, quem capitalizou com as propostas. Ele ganhou muitos pontos ao espalhar pela cidade as bicicletas de aluguel, batizadas de ‘Boris Bikes’. Lançado em 2010, o esquema, atualmente patrocinado pelo Banco Santander, é cada vez mais popular. Começou com pouco mais de seis mil bicicletas. Hoje são mais de dez mil, espalhadas em setecentos pontos pela cidade. Elas representam mais de dez milhões de jornadas anualmente. O usuário pode usar o cartão de crédito e a primeira meia hora é de graça.
 
Além das bicicletas de aluguel, um projeto ambicioso e polêmico é a ‘ Superhighway’. A expectativa é que três mil ciclistas por hora utilizem a nova via. O que significa reduzir dez trens e quarenta e um ônibus por hora nas rotas mais lotadas do centro de Londres. O plano é diminuir a poluição e melhorar a saúde da população, não só a dos ciclistas.

 

Imagem de divulgação



O interessante é que nenhum partido político se opõe à expansão das ciclovias na capital. Pelo menos não abertamente. O projeto tem amplo apoio popular. Mas, até chegar a esse ponto, foram várias pedras no caminho. Os comerciantes reclamavam que as faixas exclusivas iriam afetar o já escasso espaço para estacionar os carros e, com isso, afastar os clientes. Talvez o grupo que tenha gritado mais tenha sido o dos motoristas de táxi. Londres é uma cidade antiga. Ao contrário de Paris, com seus largos bulevares, as ruas, principalmente do centro, são estreitas. Não foram planejadas para os carros. Os taxistas reclamam que o trânsito londrino já é caótico o bastante sem que as bicicletas atrapalhem. Reduzir o espaço ainda mais será desastroso, eles argumentam.
 
 
Gritarias à parte, a ciclovias se multiplicam pela cidade e o número de jornadas de bicicleta subiu de 270 mil em 1994 para 580 mil em 2011. Estima-se que a capital tenha hoje mais de 150 mil ciclistas. Ciclista vota e, mais do que isso, é uma turma que se organiza e reivindica.
 
Em novembro de 2013, Londres viveu uma temporada especialmente trágica para os ciclistas. Seis morreram em acidentes em apenas duas semanas, elevando para 14 o número de vítimas fatais na capital naquele ano (nove acidentes envolviam caminhões e vans). Duas semanas após o último acidente, mil ciclistas tomaram as ruas de Londres para protestar e fazer uma vigília pelos mortos. Numa pesquisa realizada na época, um quinto dos ciclistas afirmou que iria deixar as bicicletas em casa, porque Londres não era uma cidade segura para pedalar.



Protesto em Londres
 


A paulista Debi Chobanian é uma empresária do ramo de traduções e interpretações. Ela combina o uso da bicicleta com o transporte público para visitar os clientes e garante que é seguro pedalar em Londres. Mas adverte: o ciclista deve ficar atento. Ela diz que já viu pessoas usando celular enquanto pedalavam, obviamente um comportamento arriscado. Debi é filiada à ‘London Cycling Campaign’ (LCC), uma instituição com doze mil membros, dedicada a transformar Londres numa cidade melhor para os ciclistas.
 
No site da LCC, é possível acompanhar o progresso das prometidas ciclovias e as campanhas, que visam dar mais segurança para os ciclistas. Como, por exemplo, limitar o horário do trânsito de caminhões e vans (envolvidos na maioria dos acidentes) nos horários de pico. Quando morava no Brasil, um dia recebi pelo correio uma carta da companhia de seguros que usava para meu carro. Nela estava uma lista dos lugares ‘manjados’, onde havia um risco grande do carro ser roubado ou ter o aparelho de som furtado. Achei a carta o fim da picada. Se todo mundo sabia os pontos problemáticos, por que não faziam alguma coisa a respeito?
 
Da mesma forma, a prefeitura de Londres sabe que existem alguns cruzamentos e rotatórias mais problemáticos, onde ocorrem mais acidentes. Por isso, os ciclistas ativistas batalham para que esses problemas sejam resolvidos. Mas a briga é dura. Ouvir todas as partes e conseguir a verba necessária para promover as mudanças leva tempo. É um processo contínuo e dinâmico.




Além das ciclovias, outro projeto vai ser um sinal de que os tempos estão mudando. De que Londres aos poucos se livra dos automóveis. Uma nova ponte será construída sobre o Tâmisa. Uma obra especial, onde os carros não terão vez. Setenta e quatro designs foram escolhidos. No mês que vem, a lista será reduzida a quatro propostas. Em Julho, será anunciado o vencedor do projeto orçado em 40 milhões de libras. A nova ponte terá uma faixa de pedestre e uma dedicada aos ciclistas. Algumas das propostas parecem ter saído de um filme de ficção científica. São lindíssimas e complexas.










 
Diga lá, se você andasse ou usasse bicicleta todo dia para ir ao trabalho, você preferiria cruzar de ‘A’ a ‘B’ em linha reta, ou iria até o ‘Z’ antes de chegar do outro lado? Dê uma olhada nas fotos de divulgação. Se, como eu, você preferir uma ponte retinha, então, my friend, seu caso é de caretice total.

 



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